Era para ser um encontro de reconciliação. Mas a primeira rodada de negociações sobre o clima após a fracassada conferência de Copenhague terminou neste domingo (11) em Bonn, Alemanha, com países desenvolvidos e em desenvolvimento se acusando mutuamente de “oportunistas” e “chantagistas”.

O pomo da discórdia, mais uma vez, é o controverso Acordo de Copenhague, o documento produzido na conferência de dezembro passado, acalentado pelos Estados Unidos e achincalhado por países pobres.

Os Estados Unidos e outros países ricos, como a Dinamarca, negaram auxílio financeiro imediato até 2012 –o chamado “fast money”– a projetos ligados ao aquecimento global a nações que não assinaram o acordo, como a Bolívia e o Equador.

A informação, divulgada pelo diário americano “The Washington Post” no fim-de-semana, elevou a tensão.

A Bolívia é um dos maiores opositores do acordo, resultado da conferência do clima da Dinamarca.

Voluntariado

O documento é uma declaração política que não recebeu o aval de todos os países da conferência e que não diz como quer limitar o aumento da temperatura global a 2 ºC.

Além disso, ele prevê que países proponham metas de redução de emissões poluentes de forma voluntária, ao contrário do atual Protocolo de Kyoto, que obriga países ricos a reduzirem suas emissões. Esse compromisso termina em 2012, e a ONU tenta negociar um novo acordo obrigatório.

O embaixador boliviano junto à ONU, Pablo Solón, disse em entrevista à Folha que a tática “é quase uma chantagem”. “Ajuda financeira é obrigação deles.

Eles são os responsáveis [pelo aquecimento global]”, disse o diplomata. Segundo Solón, também a Dinamarca teria cortado auxílio financeiro à Bolívia, ao dizer que vai distribuir ajuda em outras regiões.

O Secretário-Executivo da Convenção, Yvo de Boer, afirmou à Folha que não acha que “assédio” seja “eficaz para convencer as pessoas”. A questão agora, continuou, é se concentrar nos elementos do Acordo que podem ser usados para avançar nas negociações.

Segundo o último balanço da ONU, 113 dos 192 países da Convenção do Clima aderiram ao Acordo de Copenhague.

“Oportunistas”

Já os Estados Unidos veem o auxílio financeiro ao clima e o Acordo de Copenhague como pacote único. “Para os EUA, o “fast money” foi uma criação específica do Acordo de Copenhague.

Os países que fazem parte do acordo podem esperar o financiamento. Se não fazem parte do acordo, não estamos interessados em priorizar esses pedidos”, disse Jonathan Pershing, negociador norte-americano. “Não é um processo para oportunistas.”

Martin Khor, diretor-executivo da organização não-governamental South Centre, acha que a medida contraria as regras da Convenção do Clima. “A convenção prevê auxílio para países em desenvolvimento que tomarem certas ações. Não é preciso assinar nenhum documento”, disse.

A retomada das negociações em Bonn, sede da Convenção do Clima das Nações Unidas, foi noite adentro diante do desacordo sobre os próximos passos até a cúpula de Cancún, no México, onde os países em desenvolvimento esperam fechar um tratado legal para combater o aquecimento global.

Muitos países pobres temem que o Acordo de Copenhague se torne a única base para as negociações daqui em diante, deixando de lado o caminho trilhado até agora pela convenção.

Mas os países decidiram tomar como base todos os textos negociados até agora, incluindo talvez o acordo. Deve haver entre duas e três reuniões até o México, para tentar fechar um tratado em Cancún. De Boer descarta a possibilidade.

Folha de São Paulo