A água remanescente da cana-de-açúcar utilizada no processo de produção de açúcar e etanol pode ser reutilizada na própria usina – principalmente no processo de produção de açúcar, em que o produto final é seco, quase toda a sobra de água pode ser reaproveitada.

No caso da produção de etanol, em que o caldo deve ser concentrado, a situação é diferente, mas assim mesmo o reaproveitamento de água é possível, de acordo com a professora do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) Sílvia Azucena Nebra de Pèrez, que coordenou a pesquisa realizada por Mauro Francisco Chávez-Rodríguez.

Captação de água para usinas

O estudo permitiu, a partir do reciclo, reduzir a captação de água para menos de 1 metro cúbico por tonelada de cana-de-açúcar, medida máxima permitida pela legislação para várias regiões do Estado de São Paulo. Em algumas regiões, a captação não pode ultrapassar 0,7 metro cúbico de água e em outras, como o Vale do Paraíba, o uso de água é proibido.

O trabalho desenvolvido foi parte de um estudo sobre Sustentabilidade na Produção de Etanol encomendado pelo CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia) ao Nipe/Unicamp e teve como objetivo avaliar a possibilidade de redução do consumo de água na produção de etanol.

A pesquisa de Chávez-Rodríguez focou justamente as várias possibilidades de não só cumprir a lei, mas de também garantir a sustentabilidade dos processos.

Entre os importantes resultados da pesquisa está a constatação de que a água retirada da própria cana pode ser reutilizada com segurança. “Quando se produz açúcar e etanol, ocorre a evaporação, e a água sai bastante limpa. Normalmente, ela é facilmente reciclada, por exemplo, na operação de embebição, que é feita logo no começo, e na preparação do leite de cal [tratamento feito no caldo que prepara leite de cal para tratar o caldo]”, explica Sílvia.

Ela lembra que ao carregar a cana para a usina, o caminhão já está carregando muita água, que, se fosse reutilizada, evitaria a necessidade da captação de recursos de outras fontes.

Pegada ecológica

Estudos de “pegada ecológica” – técnica inspirada na Ecological Footprint – desenvolvidos por outros autores apresentam um consumo de quase 12 litros de água para a produção de 1 litro de etanol, mas medidas de redução de consumo e de reúso de correntes experimentadas na dissertação permitiram reduzir a 3,6 litros de água por litro de etanol.

A pesquisa mostra que, apesar de o uso de água no processo industrial ser o mais alto para o caso do etanol de cana-de-açúcar, o consumo pode ser reduzido drasticamente, alcançando, sem o uso da água da vinhaça, valores similares aos apresentados pela gasolina de petróleo convencional.

A pegada ecológica foi utilizada para buscar resultados comparativos entre as produções de etanol de cana-de-açúcar, etanol de milho dos Estados Unidos, gasolina de petróleo dos EUA e gasolina produzida a partir de areias betuminosas, calculando gramas de dióxido de carbono (CO2).

Outros testes feitos a partir dessa avaliação desmistificam resultados sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE). O pesquisador observou que o etanol de cana-de-açúcar, seguido pelo etanol de milho, é o responsável pelas menores emissões de GEE.

Também em relação ao milho, os testes apontam o etanol de cana-de-açúcar como sendo mais favorável para a economia de água, segundo Sílvia, pois além de requerer muita água na produção, o etanol de milho utiliza combustível fóssil em maior escala na sua produção.

Sequestro de CO2 pelas florestas

Ao introduzir o conceito de Água-CO2, no qual o sequestro de CO2 é feito por florestas, os pesquisadores conseguiram quantificar como a terra consumiria recursos de água para neutralizar o gás carbônico.

Incorporando este conceito, o pesquisador constatou que a produção e o uso da gasolina e de combustíveis fósseis consumiriam indiretamente em média tanta água quanto a produção de etanol de cana-de-açúcar. O melhor resultado para a análise do índice de pegada ecológica, na opinião de Sílvia, é mostrado também para o etanol de cana-de-açúcar, seguido pela gasolina produzida de petróleo convencional.

O conceito de Água-CO2 baseia-se na ideia de que, para absorver o CO2 liberado na queima da gasolina, é necessário plantar uma quantidade de árvores equivalente a um bosque, que no seu crescimento absorverá este gás. “A grande vantagem do etanol é que quando você o queima, ele também produz CO2, mas depois tem uma cana nascendo que pega esse CO2 e retorna ao ciclo, fecha o ciclo. Já a gasolina não tem isso”, acrescenta. Já que a quantidade de água necessária para que o bosque cresça também seria grande, a situação do etanol ainda é a melhor, de acordo com a pesquisa.

Diante das evidências da sustentabilidade do etanol em relação ao uso da terra e da água, o pesquisador sugere que novas terras projetadas para biocombustíveis com clima e taxas de chuva adequadas para o cultivo da cana deveriam priorizar o cultivo desta cultura.

Para Chavez-Rodríguez, a maior vantagem do conceito da pegada ecológica é que ela exibe uma ideia clara da mensagem da demanda de biocapacidade do padrão de produção em uma forma didática. A técnica mede a quantidade de área de terra que se requer para produzir todos os recursos que um indivíduo, uma população, ou uma atividade consome, considerando também a absorção de resíduos que isto gera.

Sustentabilidade do etanol

A necessidade do uso excessivo de água na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar sempre foi uma das preocupações de ambientalistas e pesquisadores, mas Sílvia afirma que, ao avaliar a possibilidade do seu aproveitamento, a pesquisa de Chavez-Rodríguez mostra que há uma solução para o problema.

Além do mais, ao contrário do que pregam alguns ambientalistas de outros países, valores reais medidos em São Paulo reportam que, neste Estado, a cana, por não ser irrigada, não estaria comprometendo os níveis dos aquíferos. Ele explica que, no balanço hídrico, a evapotranspiração é menor que as precipitações incidentes.

Para Sílvia, todos os trabalhos apontando a sustentabilidade de etanol são importantes para derrubar críticas sustentadas particularmente por pesquisadores norte-americanos de que do ponto de vista da sustentabilidade, o etanol da cana-de-açúcar não é viável. “Alguns americanos dizem que a plantação de cana vai avançar na Amazônia. Mas a Amazônia não serve para plantar cana”, contesta Sílvia.

Legislação sobre a água

A lei que diz respeito à captação de água se aplica a usinas novas e também a ampliações de unidades já existentes. De acordo com Sílvia, há um esforço dos usineiros em reduzir o consumo, já que a lei prevê multas pelo não cumprimento das normas.

Uma das saídas para os usineiros, na sua opinião, é a reutilização, coisa não muito distante da realidade, já que a cana transportada possui, na sua composição, 12% a 14% de fibra, 12% de sacarose e o restante de água. Esse volume de água poderia ser levado ao desperdício se não forem pensadas logísticas para sua reutilização.

“Antigamente, a produção de açúcar e etanol era feita sem que se cuidasse muito desse aspecto”, explica. Este é o primeiro estudo voltado para a utilização da água na produção de etanol, segundo Sílvia, mas Chavez- Rodríguez aproveitou dados de pesquisas de biomassa voltadas para energia desenvolvidas anteriormente pelo Nipe.

Vinhaça

As análises da tese de Chavez-Rodríguez ainda não envolvem o aproveitamento da vinhaça obtida na produção de álcool.

A vinhaça traz riscos ambientais em razão da produção de metano, quando despejada no campo, como acontece hoje. Mas Sílvia acredita que seria possível filtrá-la e evaporá-la para ser reutilizada na própria usina.

A professora observa que o insumo é utilizado para a irrigação, mas existe a possibilidade de desenvolver tecnologia para eliminar a carga orgânica do resíduo. “Não é de todo ruim, pois ela é reaproveitada para a irrigação, porém ela volta ao ambiente com bastante carga orgânica. O metano é um dos piores gases do efeito estufa”, explica Sílvia.

Segundo a docente, a Cetesb regula a quantidade de vinhaça que pode ser colocada no campo por hectare. Já foram iniciados estudos visando à possibilidade de utilização da vinhaça. “Este trabalho pode ser avançado, agora vamos avaliar a vinhaça”, explica.