Os projetos de construção de linhas de transmissão se tornaram o principal gargalo do setor elétrico. Levantamento realizado recentemente pelo jornal Valor Econômico na base de dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostra que 40% dos 18 mil quilômetros de linhas de transmissão licitadas desde 2006 estão com as obras atrasadas. O principal motivo é a falta de licenciamento ambiental. Ao todo, são 6.740 quilômetros de linhas, de 62 projetos diferentes, que registram atraso médio de 12 meses. Levando-se em conta os 15 maiores, o atraso médio chega a 25 meses.
Ainda, o que piora a situação é que os linhões do Madeira, que vão ligar Porto Velho (RO) a Araraquara (SP) e foram licitados em 2008, ainda não saíram do papel. O cronograma para a entrada em operação comercial dessas linhas é registrado como “normal” pela Aneel, mas as datas previstas para os licenciamentos já têm uma defasagem de pelo menos três meses. Se essas linhas entrarem no rol dos atrasos, subirá de 40% para 65% o percentual das linhas licitadas desde 2006 com registro de atraso. O problema maior será para os donos das usinas de Jirau e Santo Antônio, que trabalham com a antecipação dos empreendimentos para escoar a energia e dependem dessas linhas. O plano B seria usar uma rede de baixa capacidade que interliga Porto Velho ao Acre.
Alguns empreendimentos já estão sendo prejudicados pelos atrasos, como é o caso da usina de Dardanelos, que pertence à Neoenergia. A empresa colocou em funcionamento a primeira turbina de 51 MW em junho e até agora não tem como escoar a energia em função do atraso da linha da EBTE.
O prejuízo não é só dos empreendedores. A conta também chega para o consumidor, já que sem linhas para transmitir a energia barata das hidrelétricas as usinas termelétricas, que geram energia mais cara, serão acionadas para garantir o suprimento.
Os projetos de transmissão se tornaram o grande gargalo do setor elétrico e ameaçam o futuro do abastecimento de energia no país. Levantamento feito pelo Valor na base de dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostra que cerca de 40% de 18 mil quilômetros de linhas licitadas desde 2006 estão com as obras atrasadas. Na média, esse atraso é de 12 meses. Alguns projetos importantes, como a interligação do sistema Acre-Rondônia, entretanto, chegam a ter prazo para entrada em operação em 2079, ou seja, completamente indeterminado.
Na maioria dos casos, o relatório de fiscalização da Aneel credita o problema à demora na concessão de licenças ambientais e os números tendem a ficar mais preocupantes na medida em que os licenciamentos dos linhões do Madeira não saem do papel. Os consórcios que constroem as duas hidrelétricas estão acelerando as obras, mas correm o risco de ficar sem ter como escoar parte da energia a ser gerada a partir de 2012.
Sentindo no bolso
A conta do atraso vai direto para o bolso do consumidor, já que as usinas termelétricas, que geram energia mais cara, serão mais acionadas para garantir o suprimento de energia. Se os prazos para a concessão dos licenciamentos se estenderem ainda mais, um racionamento poderá estar a caminho. A preocupação do diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), Hermes Chipp, é tanta que em um evento público em São Paulo ele chegou a usar a palavra “apavorado” para resumir a situação dos sistemas de transmissão.
A pesquisa foi feita nas 792 páginas do relatório de fiscalização dos serviços de eletricidade da Aneel referentes ao mês de agosto. Ao todo, 128 empreendimentos entre linhas de transmissão e subestações estão com o cronograma oficialmente fora do prazo. O percentual de obras atrasadas saltará para 65% do total licitado nos últimos quatro anos, se entrarem no rol os 2,3 mil km de linhas (em duas linhas paralelas são quase 5 mil km), que vão ligar as usinas do Madeira, desde Porto Velho, em Rondônia, até Araraquara, em São Paulo. As linhas ainda têm o registro de “normal” na Aneel.
De Porto Velho a Araraquara
A rede que vai ligar as hidrelétricas do rio Madeira, em Porto Velho, até a cidade paulista de Araraquara, foi leiloada em novembro de 2008, mas a obra não começou. A Norte Transmissora de Energia, consórcio formado por Abengoa Brasil, Eletrobras Eletronorte e Eletrobras Eletrosul, que venceu a licitação para uma das linhas, diz que as obras “ainda não foram iniciadas”, porque não recebeu do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a licença prévia para a construção da linha . A previsão dos responsáveis é que o empreendimento esteja concluído em outubro de 2012 – 6 a 11 meses após o início previsto para a geração de energia no rio Madeira. A IE Energia, liderada pela Cteep e que que constrói o outro linhão, espera que o licenciamento do Ibama saia em outubro e o cronograma seja mantido.
Na hidrelétrica de Jirau, a perspectiva do consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR) é de começar a despachar energia em março de 2012, um ano antes do prazo inicial. A usina de Santo Antônio, sua vizinha no Madeira, também vai antecipar a geração de energia, com a ligação da primeira turbina já em dezembro de 2011. “Precisamos das linhas prontas em janeiro de 2012, estamos muito preocupados com essa situação”, diz Victor Paranhos, presidente da ESBR. “A liberação das linhas, principalmente em Rondônia, teria de ser mais dinâmica. Sabemos que o governo está preocupado com isso e que existe uma conscientização sobre esse assunto, mas a verdade é que órgãos ambientais não estão dando conta da demanda.”
Para não correrem riscos de ficar com a energia estancada nas usinas, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio já articularam um plano B. Se o linhão não ficar pronto até abril de 2012, como prevê o cronograma original, será utilizada uma rede de baixa capacidade (230 kV), que hoje interliga Porto Velho ao Acre, Mato Grosso e daí vai para o Sudeste do país. “A questão é que, nessa situação, só poderemos despachar uma pequena quantidade da energia que teremos capacidade”, diz Paranhos.
Segundo João Carlos Guimarães, diretor-comercial e regulatório da Santo Antônio Energia, a previsão é que a licença ambiental para o linhão Porto Velho-Araraquara saia até o fim de novembro. “Enquanto isso, fizemos um arranjo provisório para iniciar a operação em dezembro, com apoio de uma rede local”, diz ele, em referência à linha de baixa capacidade hoje existente.
Problemas na implantação
Outra questão importante é que, além da licença do Ibama, o Tribunal de Contas da União (TCU) viu problemas na implantação da estação retificadora Porto Velho (RO) e na estação Inversora Araraquara 2 (SP), que integram a rede de transmissão das usinas do Madeira. O TCU reclama de obstrução na fiscalização de documentos importantes relacionados à obra.
A aceleração das obras é perseguida pelas hidrelétricas, porque, com a antecipação de energia, elas antecipam a geração de lucro. Do lado do governo, a antecipação dá segurança às metas de geração e evita a necessidade de acionar as térmicas, mais poluentes e caras.
Segundo balanço do Ministério de Minas e Energia , nos próximos cinco anos estão previstos para serem entregues 23,3 mil km de linhas de transmissão em todo o país. Até o início deste ano, o Brasil tinha uma malha de 97,3 mil km de linhas de transmissão. Pelo plano decenal de expansão de energia, a previsão é chegar a 2019 com 134,1 mil km de linhas.