Colheita da cana também torna os animais mais vulneráveis; cinco já foram encontrados baleados na região de Campinas
Luís Freitas
Colaboração para a Folha, em Campinas
Kami, uma onça-parda macho de três anos, foi encontrada ferida em junho em uma armadilha para javaporcos próxima a Amparo (133km de São Paulo). Tratada e recuperada em um processo que levou 58 dias, voltou à natureza com um colar de identificação por GPS. No mês passado, foi achada morta a tiros.
“É frustrante”, resume a analista ambiental Márcia Gonçalves Rodrigues, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, órgão do governo federal.
Assim como Kani, somente neste ano quatro onças-pardas (ou sussuaranas) monitoradas com colares foram encontradas já mortas na região, abatidas a tiros.
Desde que o órgão iniciou o acompanhamento dos animais na região, em 2007, houve a morte de ao menos 40 onças-pardas – metade atropeladas, metade por tiros.
Os principais motivos são o avanço da cana-de-açúcar, cuja colheita afugenta os animais, e a autorização em 2013 do Ibama, órgão ambiental federal, para a caça do javaporco. “Isso deicu os caçadores mais à vontade para pegarem as onças também”, afirma a ambientalista.
Após dois anos, os colares se soltam automaticamente.
Se o animal fica mais de 24 horas parado, o equipamento emite um alerta, indicando que a onça provavelmente está morta ou seriamente ferida. No caso dos ataques a tiros, os animais podem agonizar por até 20 dias antes de morrerem por infecção generalizada ou inanição.
Só o monitoramento, diz Márcia, não evita as mortes.
“O colar não é um console de videogame que a gente pode controlar. Ele só nos mostra onde as onças estão, para onde vão, como se comportam”
O GPS permite saber, por exemplo que os felinos podem percorrer grandes distâncias. Um dos animais monitorados caminhou por 1.914 km até chegar à Serra do Mar, na região de Cubatão, passando por Minas Gerais e Rio.
“FUGITIVOS” DA CANA
O avanço da cana desafia a vida selvagem na região de Campinas. A redução das queimadas para colheita, seguindo legislação estadual que prevê o fim da prática até o ano que vem, fez com que os animais se adaptassem às lavouras. Isso porque a cana atrai roedores, que por sua vez são seguidos por predadores como cobras e onças.
O problema, porém, aparece na época da colheita, que devasta a “moradia” destes animais em poucos dias. “Isso os deixa desorientados”, diz o veterinário Marcelo de Queiroz Telles, do Parque Ecológico de Paulínia.
A prefeitura atua em parceria com o governo federal na recuperação das espécies capturadas. Em outubro, uma onça foi achada em uma empresa no centro de Americana.
Batizada de Taruma (“valente”, em tupi-guarani), ela passou três dias no parque de Paulínia antes de ser devolvida à mata com o colar de monitoramento. “O avistamento maior de onças não é positivo. Indica que estamos invadindo seu habitat mais e mais”, afirma Telles.
Desde 2007, quando começou o monitoramento, a área cultivada de cana na região de Campinas cresceu 15% – de 212 mil hectares para 243 mil hectares, segundo a Única (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). A região tem pouco mais de 300 mil hectares em áreas de preservação.
Para tentar reduzir o problema, o governo federal também tenta conscientizar proprietários rurais a evitarem o abate das onças-pardas.
Uma forma é criar recintos adequados para criações de animais. “Os galinheiros devem ser fechados, com telhados. Se os animais são criados soltos, se tornam presas fáceis para as onças-pardas. E elas acabam sendo mortas pelos fazendeiros”, afirma a analista.

Fonte: Folha de S.Paulo (publicado em 12 de novembro de 2016)