Ponto sobre o Rio MadeiraA relação entre os países transfronteiriços no norte da América do Sul tem sido motivo de discussões entre políticos e gestores, das regiões que fazem fronteira com outros países, a fim de que possam resolver seus conflitos e vislumbrem perspectivas de novos projetos no mundo globalizado. É com essa visão que a Assembléia Legislativa do Amapá, por meio da Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Estado (CRE), reunirá representantes do Brasil, Guiana Francesa, República das Guianas e Suriname, no município de Oiapoque (AP), nos dias 3 e 4 de junho, para discutir questões relacionadas aos limites geográfico entre esses países.

O I Encontro Internacional Transfronteiriço, com tema: “Vamos unir nossas fronteiras”, foi proposto pelo presidente da Comissão deputado Paulo José (PR), e recebeu total apoio do presidente da Casa, deputado Jorge Amanajás (PSDB). “Sediar o encontro que discuta essas diretrizes é fundamental para o desenvolvimento dessas regiões. O encontro tem a finalidade de buscar a melhor relação com seus vizinhos internacionais, trocar conhecimentos, conhecer as relações artísticas e culturais que tanto podem engrandecer essa região fronteiriça, que tem no rio Oiapoque um importante demarcador do pluralismo cultural guianense, onde é possível discutir sobre a viabilização de projetos que contenham soluções legislativas mais embasadas na realidade das populações dessa região”, avalia Jorge Amanajás.

Para o presidente da comissão, deputado Paulo José, o encontro tem caráter prático de promover discussões abertas no debate de assuntos atinentes a incidentes transfronteiriços, na compreensão e na tentativa de resolução amistosa.

Durante dois dias, serão discutidos temas de políticas internacionais, através de painéis, amostra e divulgação de trabalhos que estejam voltados para a temática. Servirá também para produzir alterações marcantes na realidade dos povos da fronteira para serem efetuados com mais intensidade e menos burocracia. “Não se pode deixar de ressaltar, que este ano comemora-se o ano da França no Brasil, e que na cidade de Oiapoque, no extremo norte do Amapá, será construída a ponte binacional Brasil-França”, lembra Paulo José.

O grito de brasilidade emitido pelo parlamento amapaense, antes mesmo da realização do encontro, já começa a ter resultados positivos. Há sinais concretos de que ainda no decorrer de 2009 será instalado um escritório regional do Ministério das Relações Exteriores na cidade de Oiapoque.  A importância do escritório, como diz o deputado Paulo José, é que serão dirimidas rapidamente as pendências diplomáticas na fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa.

Mudança de discurso

Rio OiapoqueOs políticos do Amapá, com poucas exceções, sempre se mostraram indiferentes aos maus-tratos sofridos pelos brasileiros do outro lado da fronteira. Com a morte de brasileiros e outros incidentes na região, o tom dos discursos mudou.

Muitos já até defendem que haja reciprocidade diplomática com a Guiana Francesa. “Eles [guianenes] cumprem o papel deles, no que diz respeito a defender os interesses e o território dentro do que eles acham correto. Já procuramos o Itamaraty e o Ministério das Relações Exteriores, para alertar que o pior poderá acontecer na nossa região de fronteira. As duas instituições estão sendo omissas. Será que é por que os brasileiros da Guiana são da Amazônia e não como o brasileiro morto no metrô de Londres [Jean Charles de Menezes] ou os brasileiros que foram deportados do aeroporto da Espanha? Será que outros vão precisar morrer para que se tome uma providencia?”, questiona o presidente Jorge Amanajás.

Destaque internacional

Às margens do rio Oiapoque, no Amapá, há um obelisco que demarca a fronteira. Ao lado de trechos do Hino Nacional, no monumento há a frase “Município de Oiapoque, aqui começa o Brasil”. Para quase 50 mil brasileiros, porém, seria mais realista dizer que o país termina ali. A cidade é a última escala rumo à Guiana Francesa, que fica do outro lado do rio, o “eldorado” vizinho. O que leva, no entanto, milhares de pessoas a migrar justamente para esse país vizinho? É simples: ali começa a Europa.

Dos brasileiros que atualmente residem na Guiana Francesa, pelo menos 30 mil vivem em situação clandestina. Essa imigração desenfreada para a região tem como combustível o sonho de ganhar em euro — a moeda oficial de lá — por pessoas que deixam para trás histórias de pobreza em suas terras natais. Cerca de 80% são dos estados do Amapá, Pará e Maranhão.

O resultado é o crescimento de garimpos clandestinos e da prostituição em Cayenne, capital da Guiana Francesa. Na maioria dos casos, o sonho de ganhar em moeda estrangeira tem como fim prisão, humilhação com espancamento, deportação e até morte. Exemplo da brasileira, Neriza Dias de Oliveira, de 36 anos, morta na fronteira internacional de Oiapoque com Saint Georges, na Guiana Francesa, supostamente atropelada pela embarcação da Gendármine (polícia da Guiana Francesa). A cena teria sido testemunhada pelo grupo formado por 32 pessoas que viajava com a brasileira, e ainda recebeu ameaças de morte caso tentasse socorrer a vitima. O corpo foi encontrado apenas oito dias depois do ocorrido. A truculência da Gendármine tem preocupado as autoridades brasileiras.

O Amapá foi incluído no III Encontro da Cooperação Descentralizada e Federativa Franco-Brasileira, que acontecerá nos dias 3 e 4 de dezembro, em Lyon, na França. O anúncio foi feito na última reunião do Comitê Misto da Cooperação Descentralizada e Federativa Franco-Brasileira, realizado em abril, no Rio de Janeiro, durante a abertura do “Ano da França no Brasil”.

O objetivo principal do encontro de dezembro é fazer evoluir as parcerias já existentes e antever evoluções possíveis para melhorar as trocas entre as coletividades. Outro aspecto que será foco do encontro é um projeto pertinente e potencialmente multiplicável no âmbito do desenvolvimento sustentável.

O Amapá foi citado diversas vezes durante a reunião, pela relação de fronteira com a Guiana Francesa. Autoridades importantes no Brasil, como Alexandre Padilha, subchefe de Assuntos Federativos da Presidência da República e coordenador do Comitê Brasileiro de Cooperação Descentralizada e Federativa Franco-Brasileira; Alberto Kleiman, assessor especial da Presidência da República; e Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro falaram sobre a importância da construção da ponte que vai ligar o município de Oiapoque a Saint-George, na Guiana Francesa, aumentando assim, a conexão entre os dois países.

Por intercessão do presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney (PMDB-AP), o ministro das relações exteriores do Brasil, Celso Amorim, também participará do encontro. Já confirmaram presença o Ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger e Alberto Kleiman, da Secretaria de Relações Institucionais representando o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; e o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto. Também confirmaram a participação os representantes oficiais da República das Guianas, Suriname e Guiana Francesa, além dos vários deputados federais, principalmente do Amapá, governadores dos estados da região Norte, do Rio Grande do Sul e senadores.

Everlando Mathias e Gabriel Penha
Da Revista Ecoturismo

Fotos: Jaciguara Cruz