ENTREVISTA DA 2ª RUCHIR SHARMA

Analista financeiro indiano diz que ritmo de expansão do país vai “decepcionar” e que é preciso mudar “a mentalidade” para avançar

LUCIANA COELHO

DE WASHINGTON

O Brasil está ficando para trás entre os emergentes, com o real supervalorizado, gargalos de infraestrutura que inibem a produção, mão de obra cara e excesso de gasto público, alerta o analista financeiro Ruchir Sharma.

O país avançou de fase, mas sua mentalidade, não.

Por isso, para o indiano que vem recebendo a atenção de um oráculo, o Brasil não é um dos países que vão “arrebentar” -título de seu recém-lançado “Breakout Nations – In Pursuit of the Next Economic Miracles” (países que arrebentam – em busca dos próximos milagres econômicos).

O livro tem falhas. Ainda assim, traz dados sólidos sobre quais países superarão a expectativa e quais ficarão aquém, na tentativa de enterrar a visão monolítica e a profusão de siglas no bloco (“uma moda”, diz).

Com ele, o analista que aos 38 anos comanda o fundo para mercados emergentes do Morgan Stanley, o nono maior banco de investimento do mundo, revigorou o debate.

Sharma conversou com a Folha por telefone. Leia os principais trechos a seguir.

Folha – Qual o erro mais comum sobre os emergentes?

Ruchir Sharma – A última década foi tão excepcional que todo país em desenvolvimento se deu bem. Isso levou à falsa ideia de que todo mercado emergente está fadado a crescer mais rápido, e esse é o maior engano.

Muitos cresceram rápido porque sua base era menor, e, quanto mais pobre você é, mais rápido deve crescer. Mas não é algo certo, e estamos chegando a uma fase em que eles vão se diferenciar entre si. Alguns ficarão abaixo das expectativas. Outros, acima.

Não há hoje essa distinção?

A maioria vê os emergentes de forma monolítica. Eles são 40% da economia global, não faz sentido falar de todos como se fossem iguais.

O sr. ressalta as diferenças entre Brasil, Rússia, Índia e China. O quanto a marca Bric espalhou essa ideia?

As marcas foram cunhadas quando começou o boom e as pessoas acharam que todos convergiriam. Essa moda não chegou a atrapalhar, mas começou a ficar ridícula. Tipo os “civets”. Qual a lógica de Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul terem perspectivas iguais? Mas soa bem, aí colocam junto. É moda, sem substância. Não é assim que se investe.

Seu livro não trata tão bem o Brasil. Por que o sr. o vê no caminho errado e como corrigir?

Há uma década, eu estava otimista. As coisas estavam melhorando após um longo período de volatilidade macroeconômica e política.

Faz tempo que eu escrevo sobre o Brasil, na coluna da “Newsweek”. Em 2003, 2005, falava de como o país estava alcançando a estabilidade, da dívida reduzida, da moeda competitiva, do boom das commodities. Tudo ia a favor.

Mas minha visão mudou nos últimos dois anos, e essa mudança é necessária para [quem lida com] emergentes. Não dá para achar que o que funcionou durante uma década funcionará por outra.

No caso do Brasil, o principal é a moeda: o real é uma das moedas mais caras, e isso é muito pouco competitivo.

O FMI alertou o Brasil para se acostumar a ter moeda cara. Para o governo brasileiro, porém, são os países ricos que inundaram o mercado de dinheiro para prover liquidez na crise e, assim, inflaram o real.

Não acho que a liquidez global esteja assim tão fácil nem que os bancos e as instituições financeiras ocidentais tenham mais a mesma facilidade para estender o crédito. Não acho que a perspectiva para fluxos de capital seja tão impressionante.

E o que fez o real subir, antes do recuo para o nível atual?

Uma soma de coisas. As taxas de juros brasileiras são altas porque o gasto público é alto para um país com sua faixa de renda per capita.

Esse problema ficou estancado no boom das commodities, mas esses juros atraem o tipo de capital errado, que só quer a vantagem das taxas.

Por outro lado, o boom das commodities colocou as moedas dos países produtores de matéria-prima na moda.

O Brasil vem baixando os juros, entre outras coisas, para conter a moeda. O sr. coloca isso como um “trilema”, porque aumenta o risco de inflação. Onde estaria a solução?

Baixar juros não é solução. Sem investimento e sem conter o gasto público, leva à inflação. Os juros são sintoma de um problema: o investimento está estancado pelo alto gasto do governo.

O investimento em infraestrutura no Brasil ainda é muito baixo ante o de outros emergentes.

O governo tem de mudar a forma de gastar, é isso?

É, gastar menos e de forma mais inteligente, investir em infraestrutura, não aumentar os gastos sociais. Um pouco de transferência de renda é bom. A questão aí é o volume.

O livro ressalta a inevitabilidade de a China desacelerar, e teme-se que a menor demanda de matéria-prima pela China retarde o Brasil. Há saída?

Promover mais investimento e mais gastos domésticos, mas pelo setor privado.

Focamos demais nas commodities, os produtos básicos?

Sim. Quando ia ao Brasil, há sete anos, as pessoas diziam para ter cautela com os preços. Agora, quando vou e digo que a China está desacelerando e os preços podem cair, ouço que há cinco anos dizem isso e nada aconteceu.

O sr. critica a obsessão por estabilidade, mas isso vem também de duas décadas sob o FMI. Houve exagero?

A obsessão era compreensível e necessária, dada a volatilidade. Até 2007, eu era muito favorável. Mas depois a ambição por crescimento arrefeceu. É preciso mudar o foco para a próxima fase.

O sr. põe dinheiro no Brasil?

Claro, somos investidores, e há muita oportunidade no Brasil, muitas empresas de que gostamos. Uma coisa boa do país é que a administração das empresas é ótima. Só não investimos mais porque estamos preocupados com o câmbio e a taxa de crescimento.

Mas não acho que o Brasil vá enfrentar uma crise, essa fase passou. A preocupação é o crescimento, que vai, sistematicamente, decepcionar.

O sr. pede ações domésticas para “arrebentarmos”. Quanto a crise das economias avançadas pode pesar contra?

Há risco, mas os emergentes têm de aprender. Se há boom, ninguém diz que é o mercado consumidor dos EUA. Se desaceleramos, culpamos as economias avançadas. Precisamos aprender a resolver nossos problemas.

Falamos de mercados emergentes supervalorizados. Quais são os subvalorizados?

No Sudeste da Ásia, há a Tailândia e sobretudo as Filipinas, com um novo governo que entende a necessidade de reforma. Na Europa, há a Polônia, que tem exibido capacidade de recuperação há anos e cresceu em 2011.

A questão é sempre a expectativa. Se uma economia como a da Índia cresce 5%, pode ser bom na comparação mundial, mas, na Índia, vai parecer uma recessão.

O que o sr. espera do Brasil?

Em torno de 3% de crescimento nos próximos três ou cinco anos. Mas o Brasil deveria estar crescendo ao menos 4% ou 5% ao ano. E, se o preço das commodities cair, pode ficar abaixo de 3%.

14 de maio de 2012

Folha de S.Paulo (SP)