Certamente o leitor já ouviu a afirmação de que “a legislação ambiental brasileira está entre as mais avançadas do mundo”. Pois a afirmação não está de todo equivocada, já que, de fato, o Brasil desponta como um paradigma positivo, pelo menos na América Latina, no que diz respeito à legislação de cunho ambiental.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 foi uma das primeiras do mundo com referências específicas à proteção do ambiente (na esteira do que fez a Constituição de Portugal, de 1976, e a Constituição da Espanha, de 1978). Assim, vê-se que nossos legisladores deram bastante importância para este tema. Antes mesmo da Constituição Federal, já tinhamos a nossa Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/1981) e remédios judiciais importantes como a Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/1985), isto sem falar no vetusto – e fundamental – Código Florestal (Lei n.º 4.771/1965), além de algumas leis estaduais regulando a prevenção e o controle da poluição (no Rio de Janeiro, o Decreto-Lei Estadual n.º 134/1975 e em São Paulo, a Lei Estadual n.º 997/1976), entre outros normativos.
“Se formalmente estamos “bem na foto”, no dia-a-dia o Brasil está muito longe de ser uma “potência ambiental”, haja vista a falta de efetividade que nosso arcabouço normativo tem revelado neste campo ao longo dos anos.” |
Com o tempo, outras iniciativas foram se somando no âmbito legislativo, incluindo a Lei de Agrotóxicos (Lei n.o 7.802/1989), a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n.o 9.433/1997), a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.o 9.605/1998), a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n.o 9.795/1999), a Lei do Controle da Poluição por Óleo (Lei n.o 9.966/2000), o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei n.o 9.985/2000), o Estatuto da Cidade (Lei n.o 10.257/2001), a Lei de Acesso à Informação Ambiental (Lei n.o 10.650/2003), a Nova Lei de Biossegurança (Lei n.o 11.105/2005), a Lei da Mata Atlântica (Lei n.o 11.428/2006), a Lei de Saneamento Básico (Lei n.o 11.445/2007), a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n.o 12.187/2009) e a recente Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.o 12.305/2010). Isto sem falar da legislação ambiental estadual e municipal, que cada vez mais se avoluma e se especializa, bem como das normas aprovadas pelos diversos órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA. Além disso, as novidades não param de surgir na esfera legislativa, incluindo projetos de lei sobre o pagamento por serviços ambientais, a proteção e acesso ao patrimônio genético e tributação ambiental.
Ocorre que, se formalmente estamos “bem na foto”, no dia-a-dia o Brasil está muito longe de ser uma “potência ambiental”, haja vista a falta de efetividade que nosso arcabouço normativo tem revelado neste campo ao longo dos anos. Embora estejamos às portas da Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável a ser realizada em 2012, no Rio de Janeiro), a ignorância e descaso que nossos governantes têm mostrado com a questão ambiental claramente revela a fragilidade e a inconsistência do “discurso ambientalista de palanque”, o qual, muitas vezes, de modo oportunista, ecoa aqui e acolá. Corrupção, impunidade, falta ou mau direcionamento de recursos materiais e humanos, ausência de visão sistêmica e de longo prazo e mesmo incompetência do poder público revelam a enorme distância que há entre o “dever ser” e o “ser” na seara ambiental neste País.
Mas onde está a gênese do problema? Se nossos governantes não dão a devida importância à nossa saúde ambiental é porque o povo brasileiro em geral também não o faz. Isto acontece, basicamente, porque a educação ambiental no Brasil ainda é muito incipiente, tanto na rede pública de ensino como nas escolas privadas. Temos aqui, portanto, um ciclo vicioso.
Não há dúvidas de que nos países em que a legislação ambiental já “pegou”, se observa uma ampla conscientização da população acerca da necessidade de se garantir um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Esta conscientização se forma desde cedo no indivíduo, quando o mesmo é sempre levado a refletir a respeitodas consequências de seus atos sobre aquilo que está no entorno.
Neste sentido, ainda me lembro, quando criança, do dia em que tive o privilégio de contar na escola com uma visita do ilustre ambientalista Fabio Feldmann, então à frente de uma vigorosa campanha que se iniciava em prol da Mata Atlântica. Na ocasião, marcou-me o alerta enfático de que o aumento da demanda por energia levaria ao alagamento de extensas áreas de florestas para a construção de novas represas como a de Itaipu, sepulcro de um paraíso que poucos, como eu, puderam conhecer: o Parque Nacional de Sete Quedas. Daí veio a lição: além de buscar fontes alternativas, todos devemos fazer um uso racional da energia, assim como da água e de tantos outros insumos/recursos naturais que consumimos no nosso cotidiano. Hoje, mais do que nunca, devemos meditar sobre esta lição, diante do risco cada vez maior de um “apagão ambiental”.
Quando a ideia de sustentabilidade é inculcada desde cedo na formação do cidadão, a variável ambiental é tida como um imperativo categórico natural para qualquer atividade. Desde as decisões tomadas na gestão da coisa pública ou no âmbito empresarial até os mais simples hábitos de consumo de cada pessoa, em tudo é possível considerar os potenciais impactos ao meio ambiente.
Voltando à questão da efetividade da legislação ambiental, vê-se, portanto, que nas sociedades em que já se desenvolveu uma consciência proambiente, as leis ambientais não só existem como, em geral, são respeitadas e têm seu alcance ampliado cada vez mais, já que a população entende o porquê dessa legislação. No Brasil, diante da nossa trágica miopia ambiental – por exemplo, a famigerada revisão do Código Florestal, em que se discute a redução do rigor da lei para “regularizar” um passado e um presente que não podemos tolerar – nem mesmo eventos dramáticos relacionados com o descumprimento da lei, tais como os deslizamentos de terras em zonas habitadas de encostas, as enchentes em áreas ocupadas de margens de rios e reservatórios, a contaminação do solo e das águas subterrâneas devido à disposição irregular de resíduos, os problemas de saúde associados à péssima qualidade do ar dos grandes centros urbanos, a falta d’água associada à deterioração dos mananciais, o comprometimento da pesca por conta da destruição dos nossos mangues e tantos outros, não são ainda suficientes para nos convencer sobre a necessidade de se respeitar a legislação que já existe. É certo que a própria legislação precisa de aprimoramento contínuo, já que a realidade à nossa volta está em constante transformação, sobretudo no campo tecnológico. Ainda estamos aprendendo a lidar com a complexidade dos problemas ambientais, mas não podemos conceber a perda de valores que foram conquistados a duríssimas penas.
Enquanto a mídia se limita a alertar a opinião pública nacional e internacional sobre o desmatamento na região amazônica – certamente um problema bastante grave – e o Governo Federal se vangloria de tê-lo reduzido percentualmente (mesmo que, em termos absolutos, imensas áreas de florestas ainda estejam sendo devastadas, com terríveis impactos sobre nossa biodiversidade e nosso clima), nas demais regiões ficamos ainda mais inertes diante dos passivos ambientais que estão bem à nossa frente: Senhoras e Senhores, a “AMAZÔNIA” é aqui! Há muito por fazer!
*Fernando Tabet – Sócio do escritório Tabet Advogados – Assessoria Ambiental (fernando@tabet.com.br)
fonte: O Eco