Depois de decretar a morte do G-8, grupo dos sete países mais ricos mais a Rússia, o governo brasileiro pretende propor uma transição “suave e elegante” das atribuições desse grupo para o G-20, a frente das maiores economias do mundo que despontou em dezembro para lidar com a crise global.

O desmonte gradual do G-8 será defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cúpula em L?Aquila, na Itália, entre os dias 8 e 10 deste mês. Lula participa do encontro como membro do G-5 – África do Sul, Brasil, China, Índia e México -, grupo que tem sido convidado para um diálogo “aberto e franco” com o G-8 nos últimos anos. “O G-8, se eles (seus líderes) quiserem que continue, que continue. Mas para discutir as questões econômicas e financeiras do mundo, eu acho que o G-20 é o fórum ideal”, afirmou ontem Lula, ao chegar em Paris, onde passa o fim de semana reunido com assessores e com a família.

Ciente da resistência do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, e de outros líderes do G-8 à sua tese, Lula buscará previamente a parceria do presidente da França, Nicolas Sarkozy, com quem se reunirá na terça-feira, no Palácio do Eliseu. No mesmo dia, jornais brasileiros e franceses publicarão um artigo conjunto dos dois presidentes no qual defenderão a necessidade de mudança nos foros e organismos de governança global.

“Brasil e França acreditam que o G-20 se tornou uma instância privilegiada neste momento em que caminhamos para um mundo multipolar”, afirmou o assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. “Em certa medida, o G-8 enfraqueceu por causa da emergência do G-20.”

Em princípio, a posição brasileira terá respaldo do G-5. Parte desse grupo – Brasil, Rússia, Índia e China – se reuniu há menos de um mês na Rússia, na primeira cúpula dos Brics. Segundo Garcia, apesar dos “matizes diferenciados”, foi possível alcançar uma posição comum sobre a nova governança global. Em especial, no que se refere à transição do G-8 para o G-20, como instância superior de decisão. No Foro Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), houve alinhamento semelhante.

Os posicionamentos surgidos desses fóruns ficaram restritos a temas mais delicados, como a oposição da China a uma ampla reforma do Conselho de Segurança da ONU e as ponderações de outros parceiros sobre o novo modelo para o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Mas, em geral, os sócios do G-5 concordam que têm a ganhar com a morte do G-8 e a consolidação do G-20 como instância orientadora da governança global. No G-8, os cinco líderes não passam de figurantes. No G-20, são atores de peso.

O Palácio do Planalto e o Itamaraty não escondem a insatisfação com os últimos encontros do G-8, para os quais os líderes do G-5 haviam sido convidados. Na cúpula de 2007, na Alemanha, Lula ficou visivelmente contrariado com a atitude do G-8 de ignorar as posições do G-5 sobre temas como liberação de investimentos diretos, quebra de patentes em casos de emergência de saúde pública e redução da emissão de gases poluentes. O documento final indicava a concordância do G-5 – que não houve – com as posições do G-8 sobre esses temas.

No ano passado no Japão, Lula chamou a atenção do G-8 para a necessidade de se abrir uma negociação de metas para as emissões de gases do efeito estufa. O presidente chegou a apresentar indicadores da Embrapa, mas só atraiu curiosidade e picardia dos líderes do G-8, já que a decisão final já havia sido tomada e registrada em documento na véspera.

Em L?Aquila, na quarta-feira, o G-8 vai debater sobre crise econômica, segurança alimentar, mudanças climáticas e a retomada da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). No dia seguinte, os líderes do G-8 recebem os do G-5 e do Egito. Na sexta-feira, líderes de países africanos e de seis organismos globais entram nos debates. Haverá 39 chefes de Estado em L’Aquila.

Denise Chrispim Marin

Estado de São Paulo