Estudo publicado nesta quinta-feira (11) na revista “Science” e que reúne pesquisadores do Brasil, Bolívia, Argentina, Venezuela e México defende a adoção de soluções sustentáveis para reduzir o impacto humano no ciclo do nitrogênio na atmosfera, no solo e nos rios da América Latina.
Mesmo sem apresentarem dados que mostrem as quantidades desse elemento que são lançadas no ar ou nos corpos d’água, os cientistas alertam para o “desafio do nitrogênio” na agricultura, no desenvolvimento das grandes cidades e na preservação da biodiversidade latino-americana.
O artigo cita que o nitrogênio, associado ao oxigênio, torna-se um poderoso causador do efeito estufa, o óxido nitroso (N2O). Liberado por emissões industriais, queimadas e desmatamento de florestas tropicais, além de fertilizantes utilizados de forma acentuada na agricultura, o elemento também prejudica rios quando há lançamento de esgoto sem tratamento.
Supercontinente da biodiversidade
Segundo Luiz Antônio Martinelli, professor titular do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (USP), há uma “cruzada” na América Latina para tentar reduzir os níveis de nitrogênio na atividade agrícola, uma das principais fontes de riqueza da região, principalmente para o Brasil.
“A América do Sul é conhecida como o supercontinente na questão da biodiversidade. O desafio é produzir e preservar ao mesmo tempo (…) sabendo que, concomitantemente, temos uma urbanização desenfreada, com falta de saneamento básico, e desmatamento em excesso, que lança muito nitrogênio na atmosfera”, disse.
Ele afirma que os pesquisadores querem chamar a atenção para a agricultura sustentável, que visa a produção com menos impacto. “Temos áreas suficientes para plantar na América Latina (150 mil km², segundo o estudo), o que permite parar o desmatamento”, explica.
Martinelli disse ainda que o nitrogênio presente em fertilizantes pode deixar de ser um colaborador da agricultura e passar a ser vilão se for aplicado de forma excessiva e ineficiente.
Fertilizantes com nitrogênio ajudam no desenvolvimento da lavoura, mas em grandes quantidades impactam negativamente o solo e geram emissões para a atmosfera. Fixado no solo, ele altera o ecossistema e, em longo prazo, aumenta a quantidade de óxido nitroso na atmosfera.
“Podemos usar mais nitrogênio nas nossas lavouras, assim como já acontece nos Estados Unidos e na Europa. Mas a aplicação deve ocorrer na hora certa e na medida certa. Por exemplo, consegue-se uma boa produtividade com a cana de açúcar sem a aplicação excessiva de fertilizantes com nitrogênio. O produtor tem que conhecer as melhores técnicas possíveis para aplicá-las na lavoura”.
Desmatamento e queimadas
Segundo Karla Longo, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a maioria do nitrogênio presente na atmosfera vem de emissões industriais. Uma parcela considerável também é proveniente do desmatamento e queima de florestas tropicais, como a Amazônia.
Essas emissões ainda não são quantificadas devido à ausência de um monitoramento que englobe todos os países da América Latina. Contudo, é de conhecimento dos pesquisadores que o gás resultante da queima das florestas é transportado pela fumaça para regiões distantes, como a Bacia do Rio Prata, que abrange cinco países e pode acarretar na degradação do solo, mudança na composição das espécies de plantas ou na eutrofização de corpos d’água, que é a formação excessiva de algas e a redução dos níveis de oxigênio, com a consequente morte de seres vivos que ali vivem (como os peixes).
“Existem algumas estimativas [de quanto de nitrogênio é gerado], mas o grau de incerteza é muito alto. O nitrogênio orgânico (resultado das queimadas) não é computado nesses dados, mas pode ser danoso, causando processos como a eutrofização. A motivação [deste estudo] é apresentar o problema e também promover um esforço bastante grande para implementar uma rede de monitoramento contínuo”, explica a pesquisadora.
Saneamento: um desafio atual
O estudo aponta também que o ambiente aquático da América Latina corre risco de contaminação devido ao nitrogênio resultante da falta de saneamento básico nos países.
Lançar esgoto natural em rios permite que dejetos provoquem a eutrofização. Segundo Martinelli, apenas 14% do esgoto produzido na AL é tratado. No Brasil, o tratamento de esgoto alcança 37,8%, segundo dados do Ministério das Cidades.