Após uma série de polêmicas, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) deve reforçar seus procedimentos, evoluir e, inclusive, se transformar profundamente, avaliam vários cientistas que contribuíram com seus trabalhos.
Criado há 20 anos e premiado com um Nobel da Paz, o IPCC publica a cada seis ou sete anos um informe que serve de referência nas negociações internacionais sobre mudança climática.
Em um artigo publicado nesta quarta-feira na revista científica “Nature”, intitulado “O IPCC, devemos honrá-lo, transformá-lo ou suprimi-lo?” (em tradução livre), cinco cientistas fazem propostas que vão desde uma maior frequência na publicação à criação de um instrumento que permita um “debate aberto” do tipo Wikipedia.
Há três meses, as polêmicas se multiplicaram sobre o organismo criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Com ou sem razão, essas polêmicas exercem pressões sobre o Painel, que contribuiu com seus trabalhos para situar o clima no centro do cenário diplomático.
Pouco antes da conferência mundial de Copenhague explodiu um escândalo chamado Climategate: milhares de mensagens eletrônicas de cientistas prestigiados que colaboraram com o IPCC foram publicadas na internet. Algumas delas deram a entender que os autores ocultaram dados que contradiziam o aquecimento climático.
Mais grave ainda para um organismo encarregado de esclarecer os que tomam as decisões políticas: o IPCC admitiu, em janeiro passado, que cometeu um lamentável erro ao afirmar em seu último informe (de 2007) que as geleiras do Himalaia se derretiam mais rápido que as outras do mundo e podiam “desaparecer até 2035, ou antes disso”.
Mike Hulme, da Universidade de East Anglia (Grã-Bretanha), considera que está claro que as estruturas e os procedimentos do IPCC estão “caducos”.
O cientista propõe que ele seja dissolvido após a publicação do próximo informe, previsto para 2014, e substituído por três entidades diferentes: a primeira, encarregada dos conhecimentos científicos, publicaria regularmente sínteses sobre o estado das pesquisas; a segunda se dedicaria ao estudo das repercussões regionais; e a terceira às respostas políticas possíveis.
Thomas Stocker, da Universidade de Berna, considera que, em meio a um debate frequentemente apaixonado, o IPCC não deve de nenhuma maneira “ceder à pressão” de publicar cada vez mais rápido, e deve reivindicar sem complexos a elaboração de um informe cujos tempos são diferentes das ONG, das instituições ou dos grupos de pressão.
Eduardo Zorita, do centro de pesquisas GKSS de Hamburgo (Alemanha) estima que o IPCC ocupa hoje “um espaço confuso entre a ciência e a política” e sugere que ele seja transformado em uma agência independente, citando o exemplo da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Na opinião de John Christy, da Universidade do Alabama (EUA), a única maneira de mostrar “a heterogeneidade dos pontos de vista científicos” seria criar uma espécie de “Wikipedia do IPCC”. “O resultado seria mais útil que grossos livros e ofereceria uma representação mais honesta” do debate científico, disse.
Finalmente, o presidente do IPCC, o indiano Rajendra Pachauri, que descartou toda ideia de demissão, defende o balanço do IPCC “de avaliações transparentes e objetivas de mais de 21 anos, estabelecidas por dezenas de milhares de cientistas” do mundo.
Folha de São Paulo