O ano é 2020. O mundo falhou em chegar a um acordo para cortar emissões de gases-estufa, e os piores efeitos da mudança climática começam a se abater sobre a Terra: tempestades violentas, secas, degelo do Ártico e aumento acelerado do nível do mar.

Em desespero, algum país resolve, sem consultar ninguém, começar a lançar milhões de toneladas de enxofre na estratosfera, para bloquear a luz do Sol e resfriar o planeta. Mas a solução acaba tendo um efeito colateral: interrompe as monções na Índia, matando milhões de fome.

O cenário acima descreve um dos riscos da chamada geoengenharia, nome dado ao conjunto de propostas para “consertar” o clima a Terra usando tecnologia em vez de cortar emissões de carbono.

Se ele parece ficção científica, é porque é mesmo. Mas não por muito tempo. Especialistas ouvidos pela Folha calculam que em cinco ou dez anos esse tipo de técnica poderá entrar em teste.

Encontro

Preocupados com um eventual descontrole da geoengenharia, 175 pesquisadores de 15 países se reuniram no fim do mês passado nos EUA para debater, pela primeira vez, como essa nova área da ciência deve ser regulamentada.

O lugar escolhido para o encontro foi simbólico: o centro de conferências de Asilomar, na cidadezinha de Pacific Grove, Califórnia.

Ali foi realizada, há 35 anos, a primeira reunião sobre os riscos de uma nova tecnologia –a engenharia genética–, que resultou em uma série de princípios que até hoje governam a pesquisa na área.

A segunda conferência de Asilomar, porém, terminou com mais perguntas do que respostas. Diferentemente do DNA recombinante, a maioria das tecnologias de geoengenharia ainda não saiu do plano das ideias. Por isso, os cientistas ainda não são capazes nem mesmo de avaliar seus riscos.

Mas o encontro reconheceu a necessidade de iniciar pesquisas “nas ciências naturais e sociais para melhor entender e comunicar se estratégias alternativas para moderar a futura mudança climática são ou não viáveis, apropriadas e éticas”.

Seguro

“Se concluirmos que não será possível evitar uma interferência perigosa no clima só via mitigação, então precisaremos considerar a geoengenharia. Precisamos entender as implicações logo.

Não podemos esperar que uma emergência aconteça”, disse Tom Wigley, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica nos EUA, um dos líderes da conferência.

Michael McCracken, pesquisador do Climate Institute de Washington e coordenador científico do encontro, diz que a emergência já chegou -para os povos indígenas do Ártico e para países como a Austrália, que enfrenta secas prolongadas devido à alteração das rotas habituais de tempestades.

“Há razões para acreditarmos hoje que a necessidade de geoengenharia é maior do que se imaginava”, afirma David Victor, especialista em política de clima da Universidade da Califórnia em San Diego.

“Uma é que os governos não fizeram muita coisa para controlar emissões de gases-estufa, como vimos na conferência do clima de Copenhague. A outra é que há evidências crescentes de que o clima está mudando muito mais rápido do que se imaginava, e isso é meio assustador.”

Segundo ele, a geoengenharia precisa ser encarada como “uma apólice de seguro”.

“Greenfinger”

Victor afirma que hoje “estamos numa terra de ninguém” no que diz respeito à regulamentação das pesquisas. Isso traz o risco de levar a geoengenharia para as sombras em vez de abri-la ao escrutínio público.

Num cenário desses, não é difícil imaginar que cientistas encontrem dificuldades para obter financiamento em países como os da Europa, nos quais a percepção de risco é grande.

Ou, ao contrário, que os estudos e testes na atmosfera sejam conduzidos unilateralmente por países ou até mesmo indivíduos que percebam que os riscos de uma mudança climática descontrolada de longe superem os efeitos colaterais da geoengenharia –hipótese apelidada por Victor de “Greenfinger”, em alusão ao vilão Goldfinger, do filme de James Bond.

“É preciso desenvolver novas regras para esse tipo de pesquisa”, afirma Gylvan Meira Filho, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP que participou de Asilomar-2.

“Você precisa obrigar as pessoas a publicarem seus resultados na literatura científica e os países a trocarem dados. Isso não é trivial”, diz o físico, lembrando que nem mesmo os meteorologistas, que trabalham com informações menos sensíveis, gostam de compartilhar dados.