Ministro da Casa Civil age no governo para “seduzir pessoas” e angariar recursos

Para Maria Sylvia de Carvalho Franco, caso fragiliza o PT, que perde patrimônio político a cada novo escândalo

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

A presidente Dilma precisa do ministro Antonio Palocci pelas virtudes de seus defeitos e por sua capacidade de seduzir pessoas e angariar recursos. A análise é de Maria Sylvia de Carvalho Franco, professora aposentada de filosofia da USP e da Unicamp.
Para ela, a multiplicação de patrimônio do ministro da Casa Civil é a velha simbiose entre público e privado.


Folha – Como a sra. classifica o caso envolvendo o aumento do patrimônio de Palocci?
Maria Sylvia de Carvalho Franco –
O caso reitera a velha simbiose entre o público e o privado no Brasil. Essa prática alicerça a exploração dos altos cargos do Estado como forma de poder pessoal e enriquecimento.
A declaração imprudente dos que desejavam defender Palocci o incrimina. Afirmar que os ex-ocupantes de posições chave no governo “têm grande valor no mercado” é dizer que tais funcionários usam, de modo lucrativo, informações acumuladas e relações estabelecidas no exercício da função pública.
No caso de Palocci, essa conversão dos privilégios do cargo em benesses pessoais pode ser mais direta e grave.
Deixando de ser ministro da, tornou-se deputado, duplicando poderio. Ao acervo passado, os laços estabelecidos com agentes do mercado, somaram-se as vias abertas por seu mandato, acrescidas pela estratégica posição da Casa Civil, instituição marcada pelo “é dando que se recebe” em sua história.
O ministro tem um histórico de prepotência e impunidade desde a Prefeitura de Ribeirão Preto. A mácula Francenildo [Costa, caseiro que teve o sigilo bancário quebrado] ainda está aberta.

É correto dizer que na história do capitalismo o Estado é sempre capturado pelo poder econômico?
É bom lembrar que a história do capitalismo é a saga de suas relações com o Estado, oscilantes conforme as necessidades de seus agentes, exigindo distância quando não interessa a ingerência em seus negócios ou, ao contrário, reclamando intervenção e subsídios para acudi-los em seus maus passos ou abrir-lhes novos caminhos.
Não é à toa que presidentes da Republica e a diplomacia transformaram-se em caixeiros viajantes, com sua corte empresarial.

Que mecanismos a sociedade deveria ter para dar transparência à relação do setor público com o privado?
Não há outro meio de controle senão o exercício da cidadania. Manter alerta a capacidade crítica pela informação, mobilizar a ação defensiva dos grupos sociais e vigilância sobre nossos servidores. Não os pagamos para sermos lesados.

Quão fragilizado fica o governo Dilma com a exposição de um provável caso de tráfico de influência?
Não é só o governo que fica fragilizado. É o patrimônio político do PT, já comprometido, que se esvai a cada escândalo. A política miúda, os arranjos da base de sustentação, os lances entre Planalto e Congresso, talvez não sejam comprometidos, resguardados por uma usina de favores, combustível de nossos representantes.

Dilma deve demitir Palocci?
Se algum laivo de moralidade regula as esferas governamentais, é possível que sim, se provada a responsabilidade pelos atos que vieram a público.
Mas a ética de sobrevivência rege-se por outra pauta, por espertas manobras das conveniências, que derrubam uns e preservam outros.
Fato é que Dilma precisa de Palocci, justamente pelas virtudes de seus defeitos, por sua capacidade de seduzir pessoas e angariar recursos.

A aparente cautela da oposição significa que ela teme ser implicada no debate? E por ser simpática a Palocci, que pode ser visto como representante de parte das forças que apoiaram o governo FHC?
De tudo isso, um pouco. Os interesses de composição no Congresso e no Planalto falam grosso. De outro lado, as faltas da oposição, se as houve, foram menos ruidosas e mais bem dissimuladas. No entanto, se tais máculas estiverem ameaçadas de exposição, aí as cautelas se tornam necessárias.

Fonte: Folha de S.Paulo