O conceito de agronegócio ampliou a visão da atividade agrícola, antes restrita ao cultivo, com a percepção de que sua cadeia produtiva espraia-se para antes e depois da porteira. Os insumos e tecnologias, assim como as práticas de consumo já fazem parte preocupações dos produtores rurais.
Puxado pela locomotiva da agroindústria, a atividade agrícola vê agora surgir um quarto elo da cadeia, o “além porteira” denominação criada pelo Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM, para denominar um conjunto constituído pelas ONGs, opinião pública e poder político que se torna cada vez mais influente e assume o papel fundamental de puxar as inovações no agronegócio. Questões como certificação de origem, atestados de cuidados ambientais e práticas comerciais éticas passam a fazer parte das preocupações para aqueles que querem sobreviver no mercado rural.
Na manhã do dia 9 de dezembro Xico Graziano abordou essa questão na sessão dedicada ao Agronegócio na América Latina no III Simpósio Internacional de Administração e Marketing da ESPM, relatando o trabalho que desenvolve a frente Secretário de Estado do Meio Ambiente
PRESERVAR E PRODUZIR – UMA COMBINAÇÃO POSSÍVEL?
O estímulo à produção do etanol como alternativa energética “limpa” gerou uma tendência de aumento da área cultivada nos canaviais paulistas, com sérios impactos no meio-ambiente. Diante de pedidos para a queima da ordem de 2 milhões de hectares a Secretaria do Meio Ambiente desenvolveu um protocolo de impacto ambiental, reduzindo o prazo para o fim da queima da cana, que era de 2021 a 2031, para 2014; e associou a diminuição das queimadas à recuperação das matas ciliares e nascentes.
Levantamento indicou que em várias regiões do Estado cerca de 30 a 40% da área é destinada ao cultivo da cana de açúcar, com clara tendência à monocultura. Diante disso foi realizado um zoneamento agro ambiental para o setor sucroalcooleiro, levando em conta não apenas variáveis tradicionais como solo e clima, mas aspectos ambientais como: declividade, unidades de conservação ecológica, incremento da biodiversidade, e qualidade do ar. A partir desse zoneamento deu início a um intenso trabalho de fiscalização e rigor na concessão de licenças ambientais.
Um projeto batizado de Etanol verde, que gera ganhos para a sociedade e para o meio-ambiente, com números que, em 2008 devem chegar a cerca de 240 mil hectares de matas ciliares recuperadas, sendo 140 mil em áreas canavieiras.
Ao associar a produção agrícola em larga escala com preservação ambiental o projeto ganhou, paulatinamente, a adesão dos empresários do setor que passaram a perceber as exigências ambientais como uma oportunidade de negócios.
Por meio de negociação entre Estado e empresariado ocorreu gradualmente um ajuste de conduta. Os empresários passaram a aderir espontaneamente, valorizando e divulgando a adesão ao protocolo. Esse processo gerou movimentação dentro das usinas que ativaram equipes de agrônomos para trabalhar junto à Secretaria e desenvolver soluções que reduzam o impacto ambiental em vários aspectos como manejo da água, uso de defensivos, geo-referenciamento de matas ciliares, entre outros.
Por outro lado as empresas mobilizam suas equipes de marketing e comunicação para divulgar sua conduta no mercado. Até porque não é possível exportar para mercados internacionais sem certificações que evidenciem práticas agrícolas sustentáveis. No setor da fruticultura conta com o PIF (Produção Integrada de Frutas), um programa de avaliação da conformidade voluntário, desenvolvido pelo Inmetro em conjunto com o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Selos de certificação internacional como o Global Gap, entre outros, levam os demais setores a desenvolver iniciativas semelhantes. A carne passa pelo mesmo processo de rastreabilidade e certificação da origem saudável dos produtos.
As boas práticas agrícolas e a preocupação com a saúde do consumidor são uma tendência e vão fazer parte da agenda mundial nos próximos anos. Do lado do produtor isso implica uma grande mudança cultural. Uma transformação liderada, sobretudo, pelas novas gerações, cientes da impossibilidade de seguir adiante utilizando as práticas devastadoras do passado.
Percebe-se, portanto, uma transformação notável nos últimos dez anos. Surge uma nova agricultura, cuja característica emblemática é cultivo direto, sem aragem da terra, prática que evita a erosão e que corresponde a 55 a 60% da safra atual, chegando, em Estados como Mato Grosso a 95%. Defensivos agrícolas seletivos e a figura do “pragueiro”, técnico que realiza a contagem prévia das pragas e evita o uso excessivo de agrotóxicos, compõem esse novo cenário agrícola, impulsionado pelo mercado e pela opinião pública.
Por outro lado, a entrada de novos consumidores no circuito global faz com que o consumo de energia e produtos cresça exponencialmente, sobretudo pela ascensão de países como China e Índia.
Fatores que colocam o ambientalismo, antes preocupação de poucos, na pauta dos negócios e dos governos. Uma tendência que exige uma mudança na formar de pensar a economia mundial.
AGRIWAR: AS NOVAS REGRAS DO MERCADO
Após a palestra do Secretário Xico Graziano, os professores José Luiz Tejon, Coriolano Xavier e Maria Flávia Tavares, integrantes do Núcleo de Estudos de Agronegócio da ESPM, abordaram a “agriwar”, denominação utilizada para representar a guerra comercial, das percepções, da distribuição e da origem das matérias – primas, entre os diferentes interesses competitivos no mundo.
Uma batalha que requer a percepção da sociedade, do sentido e significado dos produtores rurais, e de suas novas missões de geradores de matérias – primas em consonância com o “design” mental construído e desejado por consumidores e seus mais variados segmentos e nichos.
As armas incluem ações concretas sobre a realidade, na legislação e interpretação tecnológica dos desafios ambientais, nas certificações, compromissos de qualidade, segurança alimentar e segmentação da originação; e a utilização de comunicação, treinamento e sistemas de vendas e distribuição capazes de realçar e fortalecer a construção de modelos éticos e estéticos ao longo da cadeia de valor do agronegócio.
Texto elaborado por Ricardo Zagallo Camargo, do CAEPM Centro de Altos Estudos da ESPM