A decisão do governo federal de estabelecer o limite máximo de 0,5% de uma parcela do valor da obra para a compensação ambiental de empreendimentos vai na contramão das discussões sobre formas mais sustentáveis de promoção do desenvolvimento.
Para o WWF-Brasil, o Decreto nº 6.848, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contribui para minar a lógica do desenvolvimento sustentável justamente num momento de crise climática, quando a busca por alternativas econômicas mais verdes se mostra imprescindível.
Até o ano passado, 0,5% era o valor mínimo para a cobrança da taxa de compensação ambiental. Em abril de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou adequado o instrumento, mas julgou inconstitucional o estabelecimento de um piso de 0,5% para as compensações ambientais por considerar que o valor deveria ser proporcional ao impacto ambiental do empreendimento.
Como não foi determinada a metodologia correta para o cálculo, o valor da taxa de compensação ambiental estava sendo arbitrado pelos órgãos ambientais. O Decreto nº 6.848, ao estabelecer um teto máximo para a taxa, contradiz a decisão e determinação do STF.
De acordo com o superintendente de Conservação do WWF-Brasil, Cláudio Maretti, a interpretação do governo sobre a decisão do STF é equivocada. “Se o Supremo considera que o valor da taxa deve ser estabelecido com base no impacto ambiental do empreendimento, o estabelecimento de um teto é tão inconstitucional quanto o estabelecimento de um piso”, avalia.
A decisão do STF ocorreu por ocasião do julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que alegava que o estabelecimento de pagamento mínimo de 0,5% de taxa de compensação ambiental equivalia a uma indenização prévia, sem que houvesse comprovação do dano.
No entanto, a lógica por trás da cobrança de taxa de compensação ambiental não é cobrar indenização por eventuais danos.
Todo empreendimento gera alguma modificação no meio ambiente. O processo de licenciamento ambiental visa reduzir os impactos negativos. Em empreendimentos maiores, há necessidade de licença prévia, definida por meio de análise de estudos de impactos ambientais.
A escolha da melhor alternativa deve considerar dois critérios: atender aos objetivos do empreendimento e ter o mínimo de impactos negativos no meio ambiente. Além disso, esses impactos devem ser mitigados, e as formas de atenuação desses impactos devem ser estabelecidas já na fase de estudos.
Mesmo com esses cuidados, algum dano é gerado, sobretudo quando o empreendimento afeta objetivos de conservação da biodiversidade ou áreas protegidas estabelecidas.
A compensação ambiental existe justamente para contrabalançar as potenciais perdas de partes de ecossistemas prioritários. Uma forma de alcançar isso é criar novas áreas protegidas.
Outra é repassar recursos de forma a apoiar parte dos gastos com a manutenção de unidades de conservação. Essa responsabilidade do empreendedor, que de alguma forma vai obter lucros com suas atividades e gerar danos ambientais, fica agora minimizada por iniciativa do próprio governo federal com a publicação desse decreto.
E essa decisão não chega sozinha. “Surpreende ver que, próximo do final, o governo Lula está se posicionando contra o meio ambiente. Percebemos um verdadeiro ataque à questão ambiental por todas as frentes, com base em uma concepção de desenvolvimento que não é sustentável.
O Código Florestal está sendo contestado, e o governo lançou medidas provisórias como a MP da reforma agrária, que consolida o modelo produtivo predatório nas áreas ocupadas, e a MP das estradas, que facilita o licenciamento ambiental para um dos principais vetores do desmatamento”, afirma Maretti.
Estudos internacionais, inclusive feitos por bancos multinacionais e agências das Nações Unidas, mostram que em todo o mundo grande parte dos pacotes de estímulo econômico destinou recursos para o estímulo a uma economia ecológica e socialmente sustentável.
Muitas lideranças globais viram a situação de crise como uma oportunidade para se investir em alternativas e em soluções criativas e mais sustentáveis.
Com isso, novas iniciativas passaram a fazer parte do dia a dia dos negócios, como maior eficiência energética, alternativas de produção de energia com menor emissão de gases do efeito estufa, recuperação florestal, de cursos d’água e de bacias hidrográficas, promoção de emprego vinculado a negócios sustentáveis, entre outras. Infelizmente, no Brasil não vimos nada disso.
Pelo contrário, as propostas brasileiras para a crise foram redução dos impostos dos veículos e dos utensílios domésticos, o que fomenta maior consumo.
Parece que interessa às autoridades brasileiras aumentar a crise climática, ambiental, econômica. “Ou seja, nesse contexto de crise econômica e ambiental, o Brasil vai contra a tendência mundial de propor estímulos, inclusive econômicos, para uma mudança de paradigmas em direção a uma economia mais verde”, pondera Maretti. “O desafio e o dever de preservamos a natureza e os serviços ecológicos que ela nos presta é de todos”, conclui.
WWF-Brasil
Revista Ecoturismo