POR JOHN SCHWARTZ (The New York Times)
Seja pelo padrão que for, o movimento contra a mudança climática cresceu tanto nos últimos anos que as verdades apresentadas no filme do vice-presidente Al Gore, “Uma Verdade Inconveniente”, lançado há uma década, hoje parecem mais corriqueiras que inconvenientes.
Em dezembro de 2015, em Paris, 195 países concordaram em reduzir os níveis de emissão de gases do efeito estufa; até o Papa Francisco se juntou à causa, pedindo atitudes. Milhares se reuniram em marchas em Paris e Nova York, realizando protestos contra o uso de combustíveis fósseis.
“Isso é que é ganhar força. É o verdadeiro vento da mudança”, comemorou Daniel R. Tishman, presidente do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais de Nova York.
Porém, o que muitos veem como uma frente unificada tem divisões profundas, com opiniões conflitantes em muitas questões. O movimento sempre foi uma congregação de várias vozes —e é óbvio que há desacordos quanto se trata de problemas complexos. Mesmo assim, a tensão continua forte.
Abaixo, alguns dos principais pontos de discórdia:
Energia Nuclear
Existem grandes divergências sobre as usinas nucleares e sua participação na geração de energia. Além disso, desastres como o da usina de Fukushima, no Japão, minaram a confiança na tecnologia.
Os defensores alegam que as usinas podem produzir enormes quantidades de energia sem emitir dióxido de carbono; afirmam também que as fontes geradoras de energia que substituem as usinas existentes normalmente utilizam gás natural, causando emissões que contribuem para o efeito estufa.
A discussão se estende inclusive ao desenvolvimento de uma nova geração de usinas —supostamente menos caras e mais seguras— ou à manutenção das existentes, com extensão de sua vida útil.
Os opositores desse tipo de energia argumentam que a mudança para fontes renováveis dispensaria a criação de novas centrais. Segundo Naomi Oreskes, historiadora de Harvard que escreve sobre as táticas que espalham dúvidas sobre as mudanças climáticas, os defensores da energia nuclear não provaram que os riscos de operação das usinas e os resíduos que produzem podem ser contornados.
“Será que queremos apostar o planeta (literalmente) numa tecnologia com um histórico tão ruim, que mesmo quando funciona, leva décadas para ser posta em prática?”, questionou, em entrevista por e-mail.
Gás Natural
A queima de gás natural produz menos dióxido de carbono e poluentes que a de carvão, por isso grupos ambientalistas como o Sierra Club, e até mesmo o presidente Obama, chegaram a elogiá-la como uma “ponte” para os combustíveis renováveis, podendo substituir as centrais atuais até que fontes alternativas, como a solar e a eólica, possam assumir seu lugar.
Mais recentemente, no entanto, os efeitos ambientais do processo conhecido como fracking (fratura hidráulica) e a preocupação cada vez maior com o metano, que normalmente vaza quando o gás natural é produzido e transportado, levou muitos cientistas e ativistas a chamar o gás natural de uma “ponte para lugar nenhum”.
Ativistas como Bill McKibben alegam que a potência do metano como gás de efeito estufa, especialmente em curto prazo, pode torná-lo pior do que o carvão.
Empresas de Extração de Combustíveis Fósseis
Há duas vertentes diferentes em relação à melhor estratégia para lidar com as empresas que fazem a extração de combustíveis fósseis.
A primeira critica sua existência e quer prejudicar seus negócios para acelerar a transição para as tecnologias eólica e solar, que são renováveis. Assim, universidades e acionistas institucionais, tais como fundos de pensão e de doações das igrejas, estão sendo pressionados a vender suas ações de empresas de combustíveis fósseis para prejudicar e interromper projetos de construção de usinas.
Essa abordagem incentiva a campanha “keep it in the ground” (deixe no subsolo), liderada por grupos como o 350.org de McKibben, que argumenta que muitas das reservas atuais de combustível não são “utilizáveis” se o objetivo for retardar a mudança climática e, assim, devem ser considerados “ativos ociosos”, noção rejeitada pelos gigantes do petróleo como a Exxon Mobil e a Chevron.
A segunda quer se envolver com as empresas para exigir uma ação contra a mudança climática. Grupos como a Coligação Tri-Estadual pelo Investimento Responsável (Nova York, Nova Jersey e Connecticut), além de autoridades do Estado e da cidade de Nova York, recentemente apresentaram propostas no encontro anual de acionistas da Exxon Mobil pedindo que a empresa avaliasse os riscos do negócio para atender aos objetivos do encontro climático de Paris e reconhecesse “a importância moral” de se evitar que as temperaturas globais subam mais de 2°C desde o início da era industrial.
“A atitude dos acionistas já fez mudar a responsabilidade corporativa em muitas frentes”, disse Patricia Daly, freira dominicana de Caldwell, em Nova Jersey, que é a diretora-executiva da coligação.
“As empresas sabem que as sugestões que apresentamos são benéficas. Acredito que estamos começando um trabalho que vai durar várias décadas.”
Dentro x Fora
A divisão entre os grupos ambientalistas grandes e tradicionais que tentam trabalhar com as empresas e os ativistas que orgulhosamente ficam de fora não para de crescer.
Naomi Klein, que escreve sobre questões ambientais e econômicas, criticou duramente o que chama de “um negacionismo profundo no movimento ambiental” entre os grandes grupos, como o Environmental Defense Fund, que já trabalhou com empresas de combustíveis fósseis pesquisando vazamentos de metano e buscando soluções comerciais para a crise climática, como a taxação da pegada de carbono (quantidade de gases estufa emitida).
Para McKibben, o tipo de ativismo barulhento que caracteriza o trabalho de organizações como a 350.org ajuda a corrigir o que vê como a inércia institucional dos grupos estabelecidos.
Para ele, a falta de ativismo das massas nos EUA foi uma das principais razões para o fracasso de leis como a tentativa de 2010 de desenvolver um sistema para limitar e taxar as emissões de gases de efeito de estufa.
“Se quisermos ganhar a luta do clima, ela terá que resultar de uma mudança natural, como sinal dos tempos. Esse é o ponto mais importante da criação de movimentos, não determinada lei ou outra.”
Fred Krupp, presidente do Environmental Defense Fund, discorda. “Trabalhar com a indústria ajuda a entender melhor questões como o vazamento de metano, o que poderia gerar soluções. E há cada vez mais empresas querendo fazer parte da iniciativa”, garante.
Tendo em vista essas diferenças em tantas questões, surge a pergunta: será que elas estão prejudicando o movimento ambiental global?
Mesmo em relação a essa dúvida há divergências.
Para Matthew Nisbet, especialista em comunicação ambiental da Universidade Northeastern, em Boston, as diferenças de opinião dentro do movimento podem resultar em falta de objetividade.
“Todo o progresso feito até hoje pode se perder se os grupos começarem a se ver como adversários, pois os objetivos mais amplos em relação ao clima e seus verdadeiros inimigos ficariam em segundo plano.”
A verdade, porém, é que o movimento de combate às mudanças climáticas está se ampliando porque é cada vez maior o número de países, empresas, grupos religiosos e até associações conservadoras interessados em combater o aumento do nível dos oceanos e as alterações no clima.
Ellen Dorsey, diretora-executiva do Wallace Global Fund, que promove o esvaziamento do setor de combustíveis fósseis e o investimento em tecnologias mais limpas, classificou as desavenças entre os ativistas de “ruídos marginais” —e prevê que a combinação da cooperação entre os altos escalões e o ativismo popular pode manter os governos fiéis aos compromissos assumidos em Paris e vencer os interesses empresariais mais obstinados.
De acordo com Al Gore, a economia pode realizar o que os governos até agora não conseguiram: graças à diminuição do custo das energias renováveis, elas estão mais competitivas em relação aos combustíveis fósseis. Da mesma forma, o maior obstáculo para a energia nuclear pode ser o custo da construção de novos reatores.
Ele também acredita que as tensões entre os ativistas seguem as tradições da luta pelos direitos civis, a abolição, o voto feminino e os direitos de gays e lésbicas.
“Em todos esses movimentos, houve cismas e divisões menores. É apenas uma característica da condição humana.”