São Paulo – Ocorreu nesta quarta o lançamento do livro “Energia nuclear: do anátema ao diálogo”, organizado pelo economista José Eli da Veiga, publicado pela editora SENAC.
O lançamento aconteceu no mesmo momento em que a crise nuclear se agrava no Japão. Por causa do terremoto ocorrido no dia 11, de magnitude 9 na escala Richter, e do forte tsunami que seguiu, os geradores da usina nuclear de Fukushima foram afetados. Assim, o sistema de resfriamento do complexo parou de injetar água nos reatores, o que desencadeou explosões e o temor de vazamentos radioativos a qualquer momento.
Em debate, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, estiveram presentes o organizador do livro, o físico nuclear e professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP José Goldemberg e Leonam dos Santos Guimarães, assistente do diretor-presidente da Eletronuclear. Na discussão, falou-se sobre o futuro da energia nuclear no Brasil.
“A matriz energética brasileira prevê a expansão do parque nuclear baseada em hipóteses que são irrealistas”, disse Goldemberg. Segundo ele, as previsões indicam que o Produto Interno Bruto (PIB) nacional vai crescer junto com a necessidade de energia, enquanto em todos os países da Europa e nos EUA o PIB tem crescido muito mais rápido do que o consumo de energia. “Essa ideia de que nós vamos precisar de tanta energia no ano 2030 e que a energia nuclear é essencial para a matriz energia brasileira é simplesmente incorreta”, comentou Goldemberg.
O professor também destaca que o sistema brasileiro precisa de complementação térmica. No Brasil, disse ele, a complementação térmica pode vir tanto de energia nuclear quanto de biomassa e de gás. E as contribuições desses três fatores devem ser pesadas. Isso não significaria que o programa nuclear brasileiro precisaria ser abandonado, mas a expansão dele é altamente questionável. “Com o aumento dos riscos, como se verificou agora, no Japão, é de toda a prudência adotar uma postura como a dos países europeus e rever os programas de expansão nuclear”.
Efeitos devastadores
Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Energias Renováveis do Greenpeace Brasil, defende a abolição do seu uso. “Nosso país depende muito pouco de energia nuclear. Mas nem por isso a gente não poderia reduzir o que já temos. Temos um potencial enorme na geração de outras fontes renováveis, principalmente energia eólica, biomassa, hídrica e solar”, afirma.
O Greenpeace realizou um estudo, chamado Revolução Energética, no qual se projetou que o Brasil poderia crescer sem a ampliação das usinas nucleares e até desativando as que a gente tem no futuro, conta Baitelo.
Segundo ele, os efeitos devastadores da energia nuclear não se comparam a nenhum outro tipo de geração energética. “Quando há um grande desastre hidrelétrico ou um acidente numa torre eólica, essas ocorrências vão se restringir a um determinado número de pessoas e locais, o problema da energia nuclear é que a possibilidade de ameaças invisíveis, que podem perdurar por centenas (ou milhares) de anos e se estocar no organismo humano”, ressalta.
O Greenpeace pede que a construção de Angra 3 seja paralisada e considera, no mínimo, uma revisão do projeto de expansão nuclear em função de novos parâmetros de segurança.
Já Guimarães, da Eletronuclear, não vê nenhum sentido em acabar com a energia nuclear. “Respeito essa opinião, mas não vejo razão nessas posturas radicais”, comenta. Em relação a uma reavaliação dos planos futuros do Brasil no tocante à energia nuclear, ele acredita “que não é o caso de uma reanálise do programa, mas, sem dúvida, todos vão considerar o que aconteceu e melhorias serão incorporadas às instalações”.
Para ele, o evento que está ocorrendo no Japão não muda em nada o conjunto de premissas, critérios e necessidades que determinam o planejamento energético individual de cada país.
Decisões mais democráticas
O economista José Eli da Veiga aponta que o modo como foi aprovado o projeto de expansão energética brasileira deveria ser mais democrático. “O que não entendo é que não passe pelo Congresso a discussão, por exemplo, sobre se vamos ou não fazer uma quarta usina nuclear. Não estou dizendo que tenha que aprovar uma lei para estabelecer esse plano. O ponto é que nós temos um Congresso que discute coisas muito menos importantes do que essa. E por mais defeitos que o Congresso tenha, ele é sensível a uma grita da sociedade”, comenta.
Atualmente, há cerca de 2300 pessoas no canteiro de obras de Angra 3. Se, por um lado, há quem defenda a revisão do plano e até a abolição do uso de energia nuclear, em contrapartida, muitos consideram que o plano não deve ser revisado e até descartam a possibilidade de no futuro ocorrer uma crise nuclear no Brasil.
Goldenberg ainda aponta outra questão do plano energético brasileiro que impacta grandemente na análise da quantidade de energia que deverá ser produzida futuramente, o que está relacionado com a necessidade ou não de mais usinas, sejam nucleares, sejam de outras matrizes. “No plano de expansão brasileiro, a conservação de energia quase não aparece. Mas, por exemplo, de 1973 a 1998, o consumo de energia nos países industrializados da Europa toda seria 50% maior do que ela foi efetivamente. Eles realizaram uma redução considerável do consumo de energia”.
Como disse Sérgio Abranches em artigo publicado esta semana, o real nunca segue o roteiro previsto. Por isso, em meio a tantas controvérsias em torno da energia nuclear, o economista José Eli da Veiga considera “que a discussão precisa ser reaberta, agora com o envolvimento da população”.
*André Gravatá é jornalista free-lancer em São Paulo
fonte: O Eco