Quem vende madeira ilegal mundo afora terá de se haver com a biologia molecular. Pesquisadores alemães, em colaboração com brasileiros e cientistas de outros países, estão montando uma espécie de RG genético da madeira de lei. A ideia é apontar com precisão a origem de toras e até móveis, revelando se a matéria-prima foi obtida de forma lícita.

O projeto foi apresentado por Jutta Buschbom, do Instituto de Genética Florestal da Alemanha, durante o 55º Congresso Brasileiro de Genética, que acontece nesta semana em Águas de Lindoia (SP). Uma das primeiras espécies na mira é o mogno (Swietenia macrophylla), árvore amazônica rara que tem comércio controlado.

Buschbom reconhece que seria loucura querer aplicar o conceito para todas as espécies de árvores exploradas hoje, ainda mais levando em conta a grande diversidade de plantas das florestas tropicais.

“Ao menos no começo, vamos nos concentrar em algumas espécies muito visadas e de grande valor comercial”, diz ela, citando também a teca (Tectona grandis), do Sudeste Asiático, além de espécies da África Central e das grandes florestas de Europa e Ásia.

Dados apresentados por Buschbom indicam que cerca de metade da madeira do mundo provém de derrubadas clandestinas, gerando um prejuízo anual em torno de R$ 500 bilhões -e um lucro comparável para os madeireiros.

O objetivo é conseguir uma “resolução” refinada das populações de cada espécie de árvore, de maneira que seja possível diferenciar entre o mogno obtido por manejo e a madeira oriunda, digamos, de um desmatamento ilegal a poucas dezenas de quilômetros dali.

A experiência obtida até o momento com a espécie amazônica mostra que isso é possível, diz Alexandre Magno Sebbenn, pesquisador do Instituto Florestal de São Paulo e parceiro da iniciativa alemã.

“Dá para olhar essa escala populacional fina, porque, no caso do mogno, a semente de uma árvore tende a germinar a uns 500 m ou 1.000 m da planta-mãe. Então isso cria populações distintas, cujo parentesco vai diminuindo com a distância”, explica Sebenn.

As principais técnicas genéticas testadas pelos pesquisadores envolvem “assinaturas” de DNA típicas de uma dada espécie ou população.

Um tipo de assinatura são os chamados microssatélites –uma “gagueira” do DNA, na qual as “letras” químicas que compõem essa molécula se repetem (GAAAG A-GAAAGA-GAAAGA, e assim vai). Outra assinatura é o SNP, em que ocorre a troca de uma só dessas letrinhas por outra –um C por um T, digamos.

Mas, para os casos em que esses detalhes do DNA não forem suficientes para identificar a origem da madeira, já há um plano B. Bastaria ver a presença de variantes de certos elementos químicos no material –a proporção de dois tipos diferentes de carbono ou de hidrogênio, digamos.

Essa proporção é exclusiva do ambiente onde a planta cresceu, dando, portanto, boas pistas sobre sua origem. “O ideal vai ser a combinação dessas abordagens”, diz Buschbom. Aplicando técnicas utilizadas para obter DNA de fósseis, até a madeira processada em fábricas tem chance de ganhar “certidão de nascimento”.

Reinaldo José Lopes
Folha de S.Paulo