Luiz Augusto Pereira de Almeida*
Nos nove dias de sua realização, em junho último, com 45 mil visitantes e a presença de 120 chefes de Estado e de governo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (RIO + 20) teve seu foco nitidamente concentrado no tema da erradicação da pobreza. No debate sobre o futuro que queremos, foi unânime a afirmação de que o crescimento econômico sustentável, inclusivo e equitativo é um requisito imprescindível para mitigar a miséria e a fome e alcançar os objetivos do desenvolvimento do milênio. Falou-se muito da importância de um crescimento liderado pela economia verde; do acesso de todos à água, saneamento, energia, transporte e mobilidade; dos assentamentos humanos com condições de vida segura e salutares, especialmente para crianças, jovens, mulheres e anciões; da saúde; do pleno emprego e renda; da proteção das florestas e da biodiversidade, do direito à educação, dentre outros. Tudo perfeito, se não fosse a dura realidade que enfrentamos no Brasil, bem distante do mundo de Poliana que se pretendeu esculpir na citada conferência.
A Lei do Saneamento Básico (11.445/2007), embora tenha entrado em vigor há mais de cinco anos, está longe de garantir as metas de proporcionar água e esgotos tratados para todos os brasileiros. A última PesquisaNacional de Saneamento Básico (PNSB) do IBGE, referente a 2008, realizada em convênio com o Ministério das Cidades, com a participação de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e técnicos especialistas, demonstrou que a situação ainda é grave no País, e não ocorreram grandes avanços nos últimos anos.
No tocante à rede de esgotos, 44,8% dos municípios ainda não dispunham do serviço. Nas localidades onde existia, 56% dos domicílios não eram atendidos. Ademais, 31,2% do esgoto coletado não eram tratados. Outro dado preocupante é que 50,8% das cidades destinavam seus resíduos a vazadouros a céu aberto e apenas 27,7% dispunham de aterro sanitário. A nova Política Nacional de Resíduos Sólidos proíbe a manutenção de lixões após 2014, mas os números expressam uma realidade que dificilmente poderá ser alterada em curto prazo pela lei.
Outro estudo do IBGE (Suplemento de Meio Ambiente da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC/2002), embora tenha dez anos, evidencia as graves consequências do saneamento básico deficiente. Trata-se do primeiro levantamento ambiental no âmbito dos municípios realizado pelo instituto. A pesquisa identificou 1.159 cidades com taxas de mortalidade infantil acima de 40 óbitos por mil nascidos vivos. Nesse conjunto de localidades, 584 apontaram ter havido alterações ambientais com consequência sobre as condições de vida. A alteração mais frequente foi justamente a presença de esgoto a céu aberto (327), seguida por ocorrência de doença endêmica (cólera, dengue, febre amarela e malária) ou epidemia (304) e presença de vetor de doença (266).
Ao se relacionar a ausência ou precariedade de saneamento básico à mortalidade infantil, fica claríssima apremência da instalação de redes de água e esgoto nos lares brasileiros. Enquanto a taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos residindo em domicílios adequados (aqueles com água e esgoto) era 26,1 por mil, para as que residiam em domicílios inadequados, chegava a 44,8 por mil.
Tais dados confirmam a pertinência de uma equação consensual, de que para cada real investido em saneamento, osetor público economiza quatro reais em medicina curativa. A precariedade do saneamento básico gera, portanto, mais pressões sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), cuja incapacidade de atendimento e falta de qualidade são notórios. Cria-se, assim, um círculo vicioso, com complexas consequências sociais.
Nas grandes cidades, a qualidade da vida também é afetada pelos crescentes problemas de mobilidade. Sobram carros e congestionamentos e faltam transportes coletivos, e numerosas pessoas ficam duas ou três horas diárias em trânsito para exercer o direito de ir e vir (…ao trabalho, às escolas, às compras e a outros destinos de suas atividades cotidianas). Enquanto a população brasileira aumentou, nos últimos 10 anos, em 21 milhões de habitantes, ou 12,34%, a sua frota de veículos teve expansão de 35 milhões de unidades, ou 119%. Além disso, a insuficiente infraestrutura urbana e de transportes em geral, agrava o “Custo Brasil” e conspira contra o pleno emprego, consentâneo à competitividade. Apesar dos avanços na inclusão socioeconômica dos últimos anos, dados oficiais mostram que mais de 16 milhões de brasileiros continuam vivendo abaixo da linha da miséria.
Esta rápida, mas contundente análise técnica evidencia ser insustentável, do ponto de vista da realidade, nossos legisladores utilizarem de modo tão amplo o termo sustentabilidade no País. Não obstante termos sido protagonistas de um dos maiores eventos mundiais sobre o desenvolvimento sustentável, a RIO + 20, ainda estamos muito distantes do ideal preconizado pelo conceito do triple bottom line, ou seja, o desenvolvimento economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto.
Mais preocupante é que a sociedade e os setores produtivos ficam muito limitados para suprir soluções, pois as próprias leis, a cada dia, são mais restritivas. Um exemplo disso é o novo Código Florestal, que, ao tratar das áreas rurais da mesma forma que as urbanas, não atentou para o fato de que, em 2050, 75% dos 9 bilhões de habitantes deste planeta estarão vivendo nas cidades. Nestas, em decorrência de nossas restritivas legislações de uso e ocupação do solo, são cada vez mais limitadas as possibilidades de aplicar políticas de planejamento e desenho urbano para responder com eficácia às questões do crescimento previsto da população e de sua qualidade de vida. Antes de desejarmos ser sustentáveis é necessário que entendamos e nos permitamos ser sustentáveis.
*Luiz Augusto Pereira de Almeida é diretor da Fiabci/Brasil e diretor de marketing da Sobloco Construtora S.A.