O historiador e professor da Unicamp Paulo Miceli está finalizando a edição de seu novo livro sobre história da cartografia, uma publicação que promete causar impacto nos estudos historiográficos e na divulgação do tema.
Miceli foi consultor do Instituto Cultural Banco Santos, no qual atuou na aquisição de mapas raros para a coleção de Edemar Cid Ferreira. Alguns mapas presentes na obra são fruto de um escaneamento em altíssima resolução feito com o acervo.
“O Desenho do Brasil no Teatro do Mundo” será lançado pela editora Unicamp e está em fase final de revisão.
A obra terá uma edição de luxo. Os mais de 160 mapas estarão dispostos em páginas de grandes dimensões, e o texto é a tese de livre-docência de Miceli, sobre o desenvolvimento histórico da cartografia e a representação do Brasil nos séculos que se seguiram ao descobrimento.
“Do ponto de vista teleológico, os mapas representam nossa relação com a própria existência. Não estar nos mapas significava não existir. Até hoje temos palavras como ‘desnorteado’ ou expressões como ‘está fora do mapa’, que refletem essa importância”, afirma Miceli.
A elaboração das cartas geográficas exigia o conhecimento do mapa do céu.
“Para os portugueses, navegar no Mediterrâneo era como navegar em casa. A navegação no Atlântico era completamente diferente. Cruzando o Equador, a Estrela Polar some, daí o Cruzeiro do Sul passou a ser a orientação da navegação”, diz Miceli.
SERES INÓSPITOS
A teratologia –representação simbólica dos monstros– permeava a produção cartográfica. Os locais desconhecidos pelos cartógrafos eram muitas vezes representados nos mapas por monstros.
“Há exemplos curiosos. Existem mapas com leões na Amazônia ou com um vulcão no Pantanal”, conta Miceli.
Com o intuito de colecionar informação e atender a pesquisadores, Miceli está montando na Unicamp o centro de estudos e pesquisa em cartografia “Mare Liberum”.
O SEGREDO DOS MAPAS
O conhecimento cartográfico era estratégico, pois às vezes os mapas eram alterados por razões geopolíticas.
“Os portugueses representavam a foz do rio da Prata na mesma longitude da desembocadura do rio Amazonas, o que deslocava essa importante entrada para o lado português do meridiano de Tordesilhas. Os espanhóis tentavam corrigir puxando para o lado deles”, explica Miceli.
O objeto de estudo do pesquisador é permeado de histórias fascinantes e originais.
“O mapa de Cantino ficou perdido por séculos e foi novamente descoberto apenas no século 19, servindo de cortina em uma salsicharia.”
O mapa da América de John Speed, por exemplo, traz a representação da Califórnia como sendo uma ilha.
“O cosmógrafo Ascensión, considerado um perito da costa mexicana e californiana, desenhou a Califórnia como uma ilha”, diz Miceli.
“Na volta para a Espanha, o mapa foi capturado por piratas holandeses, que o levaram a Amsterdã. Os holandeses fizeram cópias, que se disseminaram pela Europa, e essa convicção durou mais de um século”, completa.