Nosso Guia ficou bem numa obra de exaltação de um personagem de quem finge não gostar: o burguês

A POLÍTICA DA “metamorfose ambulante” ganhou um novo rótulo. Num trabalho monumental de exaltação da burguesia, a economista americana Deirdre McCloskey faz uma breve referência a Lula, classificando seu governo como “populismo racional” e arriscando o palpite de que, dentre os Brics, o Brasil tem a melhor base política para sustentar seu desenvolvimento.
McCloskey publicou o segundo volume de uma série de seis, para demonstrar a seguinte tese: a partir do século 18, o mundo entrou num espetacular e inédito ciclo de progresso porque foi nessa época que os burgueses empreendedores e inovadores começaram a livrar-se das cangas do Estado e dos preconceitos.
Comércio internacional e poupança tiveram alguma importância, mas não foram novidades, muito menos decisivos. (A taxa de poupança da Inglaterra em 1800 era baixa.)
Segundo McCloskey, depois do fracasso das revoluções de 1848, os bem-pensantes passaram a achar que “burguês” é quase um insulto. (O próprio Lula, ao saber que um menino da favela de Manguinhos jogava tênis, disse-lhe que esse é um “esporte de burguês”.)
A professora sobrevoou a história e as correntes do pensamento econômico. Ela é sempre gentil, frequentemente malvada e devastadora nos exemplos. Um deles: as casas da classe média no Brasil e na África do Sul estão sempre limpas porque nelas há empregadas.
“Se explorar a gente pobre de cor fosse uma boa ideia”, os brancos brasileiros e sul-africanos de hoje viveriam melhor que portugueses, alemães e holandeses que estão nos países de onde saíram seus ancestrais.
Ex-professora da Universidade de Chicago, onde foi assistente de Milton Friedman, McCloskey é uma mulher de coragem. Até 1995, ela foi Donald McCloskey, casado e pai de dois filhos. Aos 53 anos, trocou de sexo.

O e-book de “Bourgeois Dignity” (“Dignidade Burguesa – Como a economia não pode explicar o mundo moderno”) custa US$ 9,99 no Kindle. Vários textos de McCloskey estão em sua página na internet, de graça.

LORD LULA
Há poucos meses, um plutocrata carioca foi procurado por um empresário-companheiro que o convidou a aderir a uma lista de financiadores para a compra do palacete francês dos Paula Machado, em Botafogo. A conta ficaria em R$ 10 milhões e ele seria a sede do Instituto Lula.
O plutocrata perguntou em quanto ficaria a sua parte e respondeu: “Dou o dobro para vocês não pensarem mais nisso. Esse negócio deixará o presidente muito mal.”
Na primeira metade do século passado, quando foi construída, a linda casa simbolizava o fausto da família Guinle, dona do Copacabana Palace e do porto de Santos. Há pouco, os herdeiros tentaram empurrar o negócio para a Viúva, mas o negócio não prosperou.
Uma informação para os comissários petistas:
Quando Bill Clinton deixou a Casa Branca, alugou mil metros quadrados num edifício na rua 125, em pleno Harlem.

E-BOOKS
Estima-se que ao final deste ano o número de iPads vendidos no Brasil chegue a 300 mil. Admitindo-se que sejam compradas outras 100 mil tabuletas de outras marcas, o mercado nacional de livros traduzidos passará por um abalo.
Se 20% das pessoas que compram tabuletas lê em inglês, chega-se a um mercado de 80 mil fregueses que poderão comprar edições eletrônicas. Eles pagarão menos da metade do que custariam as traduções (às vezes medíocres, por conta da má remuneração de maus tradutores). Além disso, podem baixar o livro no dia do lançamento da edição americana, livrando-se de uma espera que às vezes passa de um ano.
A loja da Apple não aceita cartões brasileiros, mas a Amazon aceita.

GRAMPOS-RJ
A briga de facções policiais do Rio de Janeiro pode transbordar da área da segurança, entrando firme na política.
Seria uma entrada triunfal, em áudio.

PASSO ATRÁS
Depois que o controle do Instituto de Resseguros do Brasil foi apanhado na nascente dos conflitos do mensalão, o governo resolveu desregular o mercado de repasse de seguros, abrindo-o para o exterior.
Assim como os banqueiros de bicho descarregam apostas feitas num milhar quando percebem que muita gente apostou nele, as seguradoras diluem seus riscos pelo mundo afora. Desde o Estado Novo, o resseguro era monopolizado pelo IRB, com seu círculo de bons amigos. Metade do instituto era do governo (que mandava em tudo) e a outra metade pertencia a um mercado dócil.
Retirada a intermediação monopolista, o custo de um resseguro brasileiro caiu em 30%. Metade do IRB continuou com o governo e a outra metade foi quase toda comprada pelas seguradoras da grande banca nacional. Parecia o fim do engessamento dos seguros.
Duas instruções recentes da Superintendência de Seguros Privados (224 e 225) mudaram as regras do jogo, transformando em permanente uma reserva de mercado provisória e inibindo as operações de filiais brasileiras com suas matrizes. O monopólio do Estado virou uma comandita do governo com um cartel.
Quem fez a mudança garante que ela visa o bem de todos e a felicidade geral da nação. Tudo bem. Se daqui a seis meses o custo do resseguro brasileiro encarecer, ficará entendido que as resoluções visavam o bem e a felicidade de poucos.

O MODELO LUANDA DOS ELETROTECAS

O secretário de Energia de São Paulo, doutor José Aníbal, propôs que conjuntos residenciais, shopping centers e empreendimentos comerciais comprem geradores de energia para consumi-la nos horários de pico e para protegerem-se dos apagões. É o “macrogato”. Pode-se estimar que existam 20 mil geradores particulares em São Paulo. No Rio, devem ser 5.000 e a redundância está disseminada no Nordeste.
A secretaria sustenta que, se há 20 mil geradores ligados em São Paulo durante o horário de pico, quando a energia é mais cara, eles “enfatizam o custo-benefício e a racionalidade da ideia”. Falso.
A racionalidade desses eletrotecas tucanos não vale para o andar de baixo, que não tem como gastar R$ 20 mil num gerador para livrá-lo dos apagões. Esse é o preço de um equipamento que garante a iluminação das áreas comuns de um edifício e o funcionamento de um elevador.
A secretaria informa também que o doutor Aníbal “propõe a cogeração somente para geradores a gás natural ou etanol”, que não ofendem o meio ambiente. Promessa.
O PSDB governa São Paulo há 15 anos e o número de geradores a gás ou etanol operando no Estado é desprezível. Eles queimam óleo diesel e a Cetesb só exige licença para equipamentos de grande potência.
As políticas geradoras de apagões das privatarias tucana e petista infiltraram no Brasil a matriz de Luanda, onde uma parte da população é obrigada a recorrer à redundância para se proteger da escuridão. Em Nova York ou Paris ainda não apareceu quem defendesse “macrogatos”. Lá, cogeração de energia é outra coisa, séria.

fonte: Folha de SP