Ainda há uma enorme massa de incertezas sobre como será o clima da Terra no fim deste século, mas as últimas semanas deixaram ao menos um fato claro: o Ártico nunca mais será o mesmo, para o bem e para o mal.

O indício mais forte vem da queda recorde na extensão do gelo marinho de verão. O gelo atingiu 4,1 milhões de quilômetros quadrados na semana passada, a menor medida feita por satélite desde que esse tipo de dado começou a ser recolhido, no fim dos anos 1970.

Jefferson Cardia Simões, diretor do Centro Polar e Climático da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), nem titubeia ao responder se o fenômeno veio para ficar: “Sim, é irreversível”, afirma ele.

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Simões lembra ainda que o ineditismo da baixa no gelo ártico de verão provavelmente diz respeito a um período bem maior do que meros 30 e poucos anos.

“Embora os dados de satélite remontem a 1979, nós temos registros escritos da extensão do gelo entre as comunidades da Islândia, da Escandinávia e, mais recentemente, da Groenlândia”, diz o glaciologista gaúcho.

Esses dados indicam que o degelo é provavelmente o mais extenso em 500 anos, pelo menos, segundo Simões.

MAR NÃO SOBE

Recordes à parte, e daí? Uma coisa que não deve preocupar ninguém no caso do degelo marinho é o aumento do nível dos mares -como esse gelo já está no oceano, não faz diferença para o nível da água se ele está presente na forma sólida ou líquida.

Mas é claro que um mar ártico mais quente e com menos gelo tem repercussões consideráveis. A primeira é o que os cientistas chamam de feedback positivo: quanto menos gelo na água, mais o gelo que sobrou tende a derreter de vez.

Isso ocorre porque a água do mar, mais escura do que o gelo (é claro), absorve proporcionalmente mais radiação solar e esquenta ainda mais.

“Achávamos que o degelo visto hoje só iria ocorrer daqui a duas ou três décadas”, afirma Simões.

As vítimas mais óbvias de mudanças numa escala de tempo tão curta são ursos-polares, raposas-do-ártico e outros animais que dependem do gelo marinho como plataforma para caçar.

Por outro lado, frotas comerciais começam a ter imensas avenidas para carregar seus produtos pelo extremo norte do mundo. Frotas militares não precisarão mais de submarinos para atravessar o Ártico por baixo do gelo, o que pode ter implicações geopolíticas, lembra Simões.

E a exploração de petróleo em plataformas deve crescer em todos os países árticos, lembra o pesquisador. “Já vi tanto a Chevron quanto a Shell dizendo que pretendem investir por lá.”

CETICISMO

O climatologista americano Patrick “Pat” Michaels, do Centro para o Estudo da Ciência do Instituto Cato, vê como menos urgente a situação do Ártico. Ele afirma que as projeções atuais usadas pelo IPCC, o painel do clima da ONU, não são confiáveis.

“Os modelos usados pela ONU previram um aquecimento muito maior do que o que estamos vendo”, diz.

Outros especialistas que minimizam a mudança climática chegaram a afirmar que o recorde de degelo foi estimulado por tempestades que atingiram o Ártico e fragmentaram mais o gelo marinho.

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE “CIÊNCIA+SAÚDE”

Fonte: Folha de São Paulo