"Nosso desafio é gerar emprego e desenvolvimento fora do serviço público", diz Capiberibe

Apesar de preservar 97% de sua cobertura vegetal e abrigar a foz do Rio Amazonas, o Amapá não está na rota dos destinos turísticos mais procurados do Brasil. Trata-se de um estado de economia bastante incipiente, e com brutal dependência dos repasses da União. Sete em cada dez reais da receita estadual provêm de transferências do governo federal. O atraso não é só econômico. Palco de um dos maiores escândalos de corrupção da história recente do País, o Amapá passou por uma devassa da Polícia Federal em 2010, que resultou na prisão do então governador e candidato à reeleição Pedro Paulo Dias (PP), do ex-governador Waldez Góes (PDT), entre outros caciques locais.

O episódio mudou os rumos da eleição daquele ano. A um mês do pleito, Camilo Góes Capiberibe (PSB) amealhava apenas 10% das intenções de voto. Beneficiado com investigação da PF, o azarão venceu a disputa. E não tardou a perceber as dificuldades que o aguardavam. Sua coligação só conseguiu eleger seis dos 24 deputados estaduais, e o governador virou alvo de uma avalanche de CPIs e pedidos de impeachment patrocinados pela oposição.

Até o momento, as denúncias não surtiram o efeito esperado, ainda que o opositor Gilvam Borges (PMDB), principal aliado do senador José Sarney no estado, tenha se apressado a montar um “governo paralelo” em meio às tentativas de derrubar o governador.  Apesar do aperto orçamentário imposto pelos adversários, Capiberibe conseguiu dobrar a capacidade de investimento do estado. Em entrevista a CartaCapital, ele conta como isso foi possível. E renova a aposta no desenvolvimento da “economia verde” para reduzir a dependência do Amapá.

À primeira vista, o projeto parece arriscado. O governo pretende atrair grandes investidores dispostos a explorar madeira na Amazônia. Em outubro, serão lançados os primeiros editais de concessão florestal. Capiberibe assegura, porém, que a atividade madeireira não será um vetor de desmatamento. “A floresta precisa ser preservada. Para tanto, deve ser explorada de forma sustentável”. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

CartaCapital: A operação Mãos Limpas prendeu o governador, o prefeito de Macapá, parlamentares e até mesmo o presidente do Tribunal de Contas do Estado. Que dificuldades o senhor enfrentou ao assumir um estado imerso nessa crise?
Camilo Góes Capiberibe: Eu era o azarão das eleições de 2010. Tinha apenas 10% das intenções de voto a um mês do pleito. Mas a Polícia Federal descortinou uma série de crimes e desmandos que ocorriam no estado há tempos, mas que não era de conhecimento da população. Venci a disputa, mas o conjunto de deputados que me apoiavam no segundo turno eram seis de 24, portanto uma minoria. Passei a ter muitos problemas com a Assembleia Legislativa. Orçamento, projetos de interesse do governo, pedidos de CPI, uma série de manobras para inviabilizar o meu governo. Até que o então presidente da Assembleia Legislativa, Moisés de Souza, foi afastado do cargo pela Justiça, acusado de corrupção. O novo presidente do Legislativo buscou estabelecer uma melhor relação com o governo.

 

CC: O senador Gilvam Borges chegou a montar um governo paralelo, enquanto o senhor era alvo de pedidos de impeachment.
CGC: O senador Sarney é grande líder do grupo que foi derrotado em 2010. Ele tem dito que não será candidato em 2014, mas ele é quem de fato unifica todas as forças que atuaram na oposição ao meu governo. No Amapá, temos impérios de comunicação construídos ao longo de décadas, e um deles é controlado pelo senador Gilvam Borges, do PMDB, que é o grande operador político de Sarney no estado. Ele detém dezenas de concessões de rádio e tevê e usa todo o poderio que tem para fazer oposição e fabricar denúncias. São ataques difusos, difíceis de combater. Porque a fonte de acusação não é mesma.

 

CC: Por que apostar na exploração da madeira?
CGC: Hoje, 72% das receitas do estado são oriundas de transferências da União. Era 78% quando assumi o governo, conseguimos reduzir um pouco, mas o avanço é tímido. O ICMS costuma ser a principal fonte dos estados, mas representa apenas 28% das receitas do Amapá, o restante é composto pelos repasses do governo federal. Nosso maior desafio é gerar desenvolvimento e empregos reais fora do serviço público.

CC: Não há outro caminho?
CGC: O Amapá teve o maior crescimento de receitas próprias nos últimos anos. Não tínhamos estrutura de arrecadação montada, uma Receita estadual operando adequadamente. Mas a nossa economia ainda é muito incipiente, também precisamos desenvolver nosso potencial. O Amapá é rico em minerais. Em dezembro, uma empresa começou a extrair ouro. Já temos ferro e ouro sendo explorados nesse momento. Hoje, o litoral do Amapá é um dos mais ricos para o setor pesqueiro. Mas os peixes de nossa costa são levados in natura para o Pará, para o Nordeste, não fica nenhum emprego no estado. Por isso, decidimos investir em pólos industriais pesqueiros. Hoje vendemos peixes em grande volume, mas de forma desorganizada, para grandes redes como Walmart e Carrefour. Queremos vender peixe industrializado. Em Oiapoque, Calçoene e Amapá (município do estado homônimo), estamos instalando a infraestrutura necessária para atrair as empresas. Além disso, temos uma floresta estadual com 2,4 milhões de hectares e mais de 2 bilhões de reais em madeira, segundo estimativas de nosso órgão ambiental. Precisamos ter um modelo de exploração sustentável dessa madeira, capaz de gerar empregos para a população.

CC: O Amapá tem a maior cobertura vegetal preservada do País. Apostar na exploração da madeira não pode ameaçar a floresta?
CGC: Não, pois se trata de manejo sustentável da madeira. Lançamos o programa Pró-Extrativismo, para financiar o pequeno proprietário a fazer um inventário florestal e iniciar uma exploração sustentável, com manejo de baixo impacto. Outra estratégia são as concessões florestais. Aí falamos de médios e grandes investidores, pois o capital inicial para entrar no negócio é estimado em 5 milhões de reais. Atualmente, a madeira é explorada ilegalmente, sem controle. Não temos na Amazônia, e em particular no Amapá, madeira legal em quantidade suficiente nem mesmo para suprir a demanda da construção civil. Queremos não apenas fornecer madeira legal para o mercado, mas processá-la aqui, para que ela saia do estado com valor agregado. Os primeiros editais de concessão florestal devem ser lançados em outubro.

CC: Historicamente, os projetos de desenvolvimento na Amazônia devastaram a floresta.
CGC: Com o manejo sustentável, área a ser explorada é dividida em 30 lotes. O empresário só pode explorar um lote por vez, um a cada ano. Quando ele voltar ao primeiro lote, terão se passado 30 anos. A área estará reflorestada. Não temos interesse de ampliar as fronteiras agrícolas no estado, mas é importante observar que a localização do Amapá é estratégica, está na foz do rio Amazonas. Pode abrigar um corredor logístico para a exportação de produtos do agronegócio, em particular do norte do Mato Grosso.

CC: Qual é o plano?
CGC: O Amapá abriga o Porto de Santana, o maior da região Amazônica. De lá, saem navios que atravessam o Canal do Panamá com destino à Ásia, e outros com rotas diretas para a América do Norte e a Europa. Não existe um porto melhor localizado no País. Com a inauguração da BR 163, a produção de grãos do norte do Mato Grosso pode ser transportada por caminhões até o vilarejo de Miritituba, no Pará. De lá, a carga segue de barcaça até o Porto de Santana. Esse corredor de exportação pode baratear o frete em até 30%.

CC: A lavoura de soja não pode avançar sobre a floresta?
CGC: De fato, plantar soja no Amapá seria muito competitivo, pois rapidamente o produto pode ser exportado. Não podemos ser ingênuos de imaginar que esse corredor logístico não pode ampliar as fronteiras agrícolas. Ciente desse risco, criamos um grupo de trabalho para estudar o zoneamento do Cerrado. Temos uma faixa desse bioma em nosso estado. Avaliamos o que pode e o que não pode ser desenvolvido de atividade econômica por lá. Essa pressão do agronegócio existe, temos plantações de soja no Amapá, mas essa não é a nossa estratégia. O foco é controlar melhor, sem deixar de lado a agricultura familiar, que é um dos principais focos de desmatamento em nosso caso particular.

CC: São os pequenos produtores que ameaçam a floresta?
CGC: Hoje, temos uma produtividade muito baixa nos assentamentos. Com o Programa Territorial de Agricultura Familiar, os produtores têm acesso a uma tecnologia desenvolvida pela Embrapa que aumenta a produtividade da terra em até cinco vezes. Assim, não é preciso expandir a área da lavoura. O benefício ambiental é notório. Para preparar um hectare, o estado investe cerca de 6 mil reais. E o agricultor consegue ter um rendimento de 20 mil reais por safra. Investimos 4 milhões de reais na safra 2011/2012, e passamos a 11 milhões na safra 2012/2013. Agora, a meta é aplicar 16 milhões. Além de aumentar a renda dos trabalhadores, o programa evita a migração de jovens das lavouras para a periferia das grandes cidades. A falta de estímulo para produzir induz o crescimento desordenado das cidades, com um impacto social muito ruim.

CC: O modelo não é muito dependente de investimento estatal?
CGC: A floresta precisa ser preservada. Para tanto, deve ser explorada de forma sustentável. De fato, um dos grandes desafios é conseguir os recursos necessários. Acredito que estamos criando ativos ambientais. Se preservamos a floresta, se produzimos mais em uma área menor, esse é um ativo ambiental que o Amapá gera para o Brasil e para a humanidade. Iniciamos um debate com organismos internacionais e com o governo brasileiro para encontrar os meios de remunerar esse ativo. Com 73% de suas terras em áreas protegidas, o Amapá tem um forte limitador para o seu desenvolvimento. Queremos que o Brasil enxergue que São Paulo desmatou, mas se desenvolveu. Outros estados fizeram o mesmo. O Amapá está preservando a floresta para o futuro, e precisa ter esse ativo reconhecido e remunerado.

CC: O Amapá possui 0,76 médico por mil habitantes, a segunda menor proporção do País. Como o senhor avalia a proposta do governo federal de atrair médicos estrangeiros para suprir essa deficiência?
CGC: A falta de médicos é um entrave seriíssimo, em particular no interior do estado. Há carência de profissionais na periferia de Macapá e nas maiores cidades, mas quem fica realmente sem médico nenhum é quem vive no interior. Há uma falsa polêmica em torno da falta de equipamentos necessários para a prestação da saúde. O que o Mais Médicos prevê é a utilização desses profissionais em ações preventivas, como as do Programa Saúde da Família (PSF). A ideia não é fazer cirurgia no meio da floresta, mas cuidar do paciente com diabetes, com hipertensão. O governo do Amapá e 14 municípios solicitaram mais de 150 médicos ao Ministério da Saúde. Vamos receber apenas 12 nessa primeira fase. Não vejo a hora de chegar alguns cubanos aqui.

CC: Houve muita resistência das associações médicas à vinda dos estrangeiros, sobretudo os de Cuba.
CGC: No início dos anos 2000, tínhamos 60 médicos cubanos atuando no Amapá. Eles receberam treinamento, foram capacitados no ensino da língua portuguesa, mas não puderam ficar em função da forte oposição do Conselho Regional de Medicina. Mas é preciso enfrentar a realidade. Faltam médicos. É preciso ampliar as vagas nas universidades, mas isso vai demorar muitos anos para trazer resultados. Então, por que não atrair médicos estrangeiros como muitos países fazem? E por que não os cubanos, que tem excelentes indicadores de saúde e foco nas ações preventivas? Se os brasileiros não querem atuar no interior, em áreas afastadas das grandes cidades, que venham os cubanos.

 

CC: Em 2014, o cenário será um pouco diferente daquele em que o senhor se elegeu. Após quatro anos da crise desencadeada pela Operação Mãos Limpas, as forças políticas tendem a fazer novos arranjos. Como o senhor avalia as perspectivas de reeleição?
CGC: Em 2010, a aliança eleitoral era PSB e PT, apenas dois partidos. Para 2014, o grande desafio é ampliar o espectro dentro da esquerda, com compromisso com a sociedade. Em nível local, é possível dialogar, por exemplo, com o PCdoB. Até mesmo o PSDB, em nível local, pode compor conosco. Evidentemente, não vamos perder a coerência, somos um governo de esquerda. Além disso, a oposição ainda não mostrou o rosto. Sarney diz que não vai se candidatar. E a oposição ao meu governo emergiu de muitas frentes diferentes, com ataques difusos. Estou confiante.

 

Fonte: Revista Carta Capital (http://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/o-amapa-na-era-da-economia-verde-7394.html)