O BRASIL deve abandonar a visão monolítica que tem dos Estados Unidos. Para maximizar esforços em política externa e ganhos em política comercial, governo e empresários precisam apreender o sentido do sistema político norte-americano, utilizando-o a favor dos interesses do país. O ato fundamental é reconhecer o Congresso dos EUA como lócus especial para a atuação diplomática e empresarial.

O Congresso é o primeiro entre os Poderes da República. A Constituição dos Estados Unidos estabelece, no primeiro artigo, seu funcionamento e seus poderes. Dois deles demonstram a importância do Legislativo: a “cláusula comercial” e a “cláusula elástica”.

A primeira afirma caber ao Congresso a regulamentação do comércio com nações estrangeiras. A segunda atribui a ele a criação de leis sobre os outros dois Poderes -o que lhe confere certa ingerência legal no Executivo e no Judiciário.

Há, em diversas áreas, exemplos históricos sobre seu papel. Foi ele quem aprovou, contra a opinião internacional, lei específica negando a jurisdição do Tribunal Penal Internacional sobre soldados norte-americanos, assim como a resolução Byrd-Hagel, que freou a adesão dos Estados Unidos ao Protocolo de Kyoto.

Foi ele também quem não ratificou o Tratado de Versalhes, selando o destino da Liga das Nações, e deixou de votar a implementação da Carta de Havana, que criaria a Organização Internacional do Comércio.

Além de reconhecer o papel do Legislativo, é necessário compreender que, nos Estados Unidos, a defesa de interesses particulares, nacionais ou estrangeiros não é questão moral fundamental, como por vezes parece ser.

O direito de peticionar ao governo, isto é, direito à atividade de lobby, é assegurado pela Primeira Emenda -a mesma que trata das liberdades de expressão, de associação e religiosa.

James Madison, principal autor do texto constitucional, escreveu que a “facção” está para a liberdade como o oxigênio para o fogo: suprimir um é extinguir o outro. Amparado nesse princípio, o Congresso encarregou-se de codificar o direito, assegurando transparência ao seu uso.

Há dois grupos de normas que regulamentam a defesa de interesses particulares. O primeiro estabelece regras para lobistas profissionais e entidades que fazem lobby em nome de seus associados, sejam empresas, sejam trabalhadores, sejam grupos sociais específicos. O segundo estatui regras para os governos estrangeiros.

Fato importante, contudo, é que os interesses estrangeiros empresariais são regulados pelo primeiro grupo. Ou seja, do ponto de vista do Congresso, a defesa de um interesse estrangeiro não associado ao seu governo de origem é tão legítima quanto a defesa dos interesses domésticos.

Reconhecendo esse fato, governo e empresários brasileiros têm ampliado sua atuação. O setor sucroalcooleiro, por exemplo, estabeleceu representação em Washington para defender, entre outros temas, a eliminação da tarifa incidente sobre o etanol brasileiro. E, desde 2006, o setor industrial mantém diálogo com o Congresso no contínuo processo de renovação do Sistema Geral de Preferências, que beneficia quase US$ 3 bilhões em exportações brasileiras por ano.

A própria Embaixada do Brasil em Washington fez recente ação com os parlamentares para combater subsídios à indústria norte-americana de papel e celulose, que podem chegar a espantosos US$ 8 bilhões em 2009.

Esse tipo de ação desenvolve-se em contexto favorável, mas ainda pouco aproveitado. O Brasil é parte de um seleto grupo que possui sua própria Frente Parlamentar na Câmara norte-americana. No caso brasileiro, seus copresidentes são personalidades influentes.

Eliot Engel, democrata de Nova York, é presidente da Subcomissão do Hemisfério Ocidental e tem apoiado o país em áreas diversas como energia e combate à discriminação racial. Devin Nunes, republicano da Califórnia, é representante de um dos mais importantes distritos agrícolas dos EUA.

No Senado, o Brasil tem em Richard Lugar, republicano de Indiana e líder da minoria na poderosa Comissão de Relações Exteriores, um aliado em matéria de política externa e comércio internacional. O senador é defensor, por exemplo, de um acordo para evitar a dupla tributação entre os dois países.

O momento, portanto, é propício para que governo e empresários ampliem sua atuação em Washington dentro de uma nova visão. Nessa tarefa, vale guiar-se pela sabedoria do provérbio popular: na França como francês, em Roma como romano.

DIEGO Z. BONOMO , 28, é mestre em relações internacionais e diretor-executivo da Brazil Industries Coalition (BIC), entidade de representação de empresas e associações empresariais brasileiras nos Estados Unidos.

Diego Z. Bonomo
Folha de S. Paulo