No final do expediente, Jaqueline Lima, 20, tira do bolso do uniforme um batom e se pinta, depois de um dia pesado de trabalho. Ela é soldadora.

Aline Cruz, 18, é ajudante de produção. Maria Aparecida dos Santos, 30, carpinteira. Aldineia Lima, a “Loura”, quer se tornar operadora de perfuratriz, uma máquina que cava buracos em rochas onde são colocados explosivos para detonação. “Me chamam de Loura porque sou a primeira loura dessa obra”, afirma.

Outras 680 mulheres batem ponto todos os dias no canteiro de obra da hidrelétrica de Santo Antônio, que está sendo construída em Porto Velho (RO), no rio Madeira. A construção, uma das vitrines do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), tem 14% de seu efetivo formado de mão de obra feminina.

A razão da forte presença de mulheres está na falta de trabalhadores, segundo José Bonifácio Júnior, diretor da Odebrecht que executa a obra. Antes de iniciar a obra, a construtora fez levantamento na região e concluiu que havia carência de mão de obra capacitada para atender a grande demanda que o empreendimento geraria.

“O estudo mostrou que havia aqui 25 mil desempregados desqualificados”, diz Júnior. Como a empresa tinha com o Estado acordo para atuar com 70% de mão de obra local e 30% de fora, desenvolveu um programa de qualificação para treinar trabalhadores da região.

Antônio Cardilli, responsável pelo programa de capacitação que atraiu o trabalho feminino e hoje tem cerca de 9.000 inscritas, afirma que nada foi intencional. “As mulheres perguntaram se poderiam participar. E nós não proibimos.”

A Folha encontrou ex-empregadas domésticas, cabeleireiras, enfermeiras, secretárias e donas de casa. Todas viram no trabalho pesado uma oportunidade de ter remuneração e carteira assinada. O salário de ajudante é de R$ 540. Somadas horas extras chega-se a R$ 750.

A presença feminina ainda é inexpressiva em funções que exigem maior esforço físico nas obras e, na maioria dos casos, equivale a menos de 1% do efetivo total. Mas o mercado hoje já tem equipamentos que possibilitam a redução da força, segundo Carlos Zveibil Neto, vice-presidente da Apeop (Associação Paulista dos Empresários de Obras Públicas). “Antigamente seria impensável uma mulher dirigir um guincho sem direção hidráulica”, diz Neto.
A Odebrecht planeja expandir a participação feminina. Segundo Cardilli, o programa com mulheres será replicado em outras obras da empresa no Brasil e no exterior. “Pensamos em levar para Angola, onde empregamos 26 mil pessoas.”

“Coisa de macho”
O canteiro recebeu adaptações, como sanitários femininos e vestiários. A enfermaria foi abastecida de absorventes íntimos e medicamento para cólicas. Em março, o Ministério do Trabalho autuou a Odebrecht por irregularidades no canteiro ligadas a vestiários e instalações sanitárias. A empresa assinou um termo para rever os pontos questionados.
A habilidade feminina é valorizada em trabalhos como a solda, onde a presença delas é frequente. Raimunda Lopes, 35, soldadora, diz que a mulher é capaz de soldar vergalhões de ferro com mais precisão.

A recepção das novas colegas foi positiva, segundo encarregados. Cardilli nega que exista assédio por parte dos homens, mas admite que as mais bonitas podem atrair atenção. “Interesse sempre vai ter, mas é o mesmo que em qualquer outro ambiente de trabalho. Não existia na obra porque só havia homens, mas agora eles estão vivendo uma experiência nova, vai mudar a cultura.”

Jovem e bonita, Jaqueline Lima conta que “ouve muita conversinha”, mas diz que não se incomoda. Grande parte das mulheres no local tinha o rosto maquiado e os cabelos penteados. Jaqueline Holanda, carpinteira, diz que não quer perder a vaidade. Carina Carvalho, 31, afirma que sofreu preconceito em casa. “Falaram que é coisa de macho.”

Folha de São Paulo