Antonio Castillo (a esquerda) e Jose Carlos Burga, presidente do Conselho Empresarial do Peru: Brasil pode ser primeiro investidor no país em cinco anos
Com a maior taxa de crescimento e a menor inflação dos últimos cinco anos na América Latina, o Peru quer entrar em um novo momento de desenvolvimento, de maior interligação com parceiros da região. Em visita ao Brasil, onde ficará até o fim do mês, Jose Carlo Burga, presidente do Conselho Empresarial do Peru – uma agência de fomento a investimentos no país andino – está em busca de empresas brasileiras que desejam se instalar em terras peruanas. Trabalhando em conjunto com Antonio Castillo, que participou do corpo técnico da equipe econômica do governo de Alberto Fujimori (1990 a 2000) e hoje é conselheiro econômico-comercial da embaixada peruana no país, Burga crê em um novo momento na relação bilateral, baseado em investimentos de longo prazo e maior integração produtiva.
Em entrevista ao Valor, Burga e Castillo falaram sobre a “invasão” das grandes empresas brasileiras nas obras de grande porte do país para os próximos anos e fizeram o prognóstico de que, em 2017, “o Brasil deve se tornar o maior investidor estrangeiro no Peru.”
Diferentemente dos países com quem possui relações históricas mais intensas, como Espanha e Estados Unidos, a maré de investimentos brasileiros acontece em áreas que se interligam, como mineração, energia, petroquímica e transportes. Para Castillo, o maior intercâmbio entre as duas economias é condição básica para um crescimento sustentável. “Os investimentos brasileiros são de longo prazo, de 30 anos, o que mostra esse novo tipo de relação que está sendo criada.” Confira os principais pontos da entrevista.
Valor: O investimento brasileiro no Peru praticamente triplicou entre 2007 e 2010, sendo que no ano passado o Brasil se firmou com o sexto maior investidor no país. Qual a projeção para este ano?
Jose Carlo Burga: Até agora foram anunciados pelo menos dois grandes investimentos. Um da Braskem em parceria com a Petrobras, de US$ 4,5 bilhões, e outro da Odebrecht com a CSN, de US$ 1 bilhão.
Antonio Castillo: A perspectiva é que os investimentos brasileiros alcancem US$ 20 bilhões daqui a cinco anos. A diferença com relação aos outros países é que não são investimentos só em matérias-primas ou em um setor, mas também em desenvolvimento de produtos de maior valor agregado, como a Vale, que está produzindo fertilizantes ao invés de apenas comprar o fosfato. A Petrobras não está só extraindo gás, mas construindo um parque petroquímico. O Brasil precisa de zinco, então a Votorantim está fazendo produtos ligados ao produto. Há investimentos em aço com o grupo Gerdau e a CSN. E todos esses projetos estão com o setor privado.
Valor: O Brasil é o novo parceiro estratégico peruano?
Castillo: A perspectiva é que em cinco anos o Brasil se torne o maior investidor direto no Peru.
Burga: Nossa economia não está mais ligada apenas a produtos primários, estamos avançando na indústria secundária. O que me surpreende na relação entre Brasil e Peru é que há oportunidades em muitos setores que ainda não foram explorados, como a agroindústria. A Odebrecht está trabalhando em um projeto de irrigação de milhões de hectares potencialmente produtivos na costa norte peruana. Isso vai permitir que grandes empresas agrícolas brasileiras possam se instalar na região, em um processo de abertura de uma nova área de produção.
Valor: Quais são as áreas com potencial de investimentos ainda pouco explorados?
Burga: Em mineração e infraestrutura temos relações consolidadas, tradicionais. O potencial de investimentos no Peru é de cerca de US$ 90 bilhões. Apenas em mineração, há oportunidades de US$ 53 bilhões, pois 10% das reservas de minérios ainda não foram exploradas. Em infraestrutura, o total de obras em andamento somam US$ 15 bilhões, sendo que precisaremos de US$ 40 bilhões para suprir nosso déficit nessa área nos próximos anos.
Valor: O Brasil também tem problemas com infraestrutura deficitária e não tem conseguido tocar todas as obras a que se propõe. E são as empresas brasileiras que estão ligadas a essa expansão no Peru. Elas vão conseguir fazer os projetos nos dois países?
Castillo: O tempo que as empresas brasileiras levam para construir no Peru é muito menor do que no Brasil, pois temos menos burocracia e instituições mais ágeis. O Brasil tem algumas dificuldades para desenvolver os projetos, mas as empresas possuem competência para isso. Tanto é que agora estamos desenvolvendo um grande cluster petroquímico, com a participação da Petrobras na exploração do gás, da Odebrecht na construção do gasoduto, e da Braskem na construção do polo petroquímico. Temos usinas elétricas sendo feitas por empresas brasileiras. Conversei há cerca de duas semanas com um grupo de empresários da Zona Franca de Manaus. Eles me disseram que estavam demorando só 12 dias para importar autopeças da Ásia e a um custo 35% menor de frete ao usar um porto peruano e a rodovia Transoceânica para levar os produtos à região. O Brasil vai precisar desenvolver isso se quiser aumentar as exportações. Usar a saída peruana para o Pacífico para escoar para a China a produção de soja e minérios traz mais competitividade e rentabilidade ao produto brasileiro.
Valor: Então para chegar à Ásia a produção brasileira vai passar antes pelo Peru…
Castillo: Não só isso. Estamos falando de construção de dutos de gás, dutos de soja entre os dois países, com as economias ficando mais interligadas. A Espanha, que é o maior investidor no Peru, só tem alguns projetos, e todos em serviços e bancos, que estão tirando os investimentos por causa da crise. Os Estados Unidos estão mais concentrados em mineração. Os investimentos brasileiros são de longo prazo, 30 anos.
Burga: O Brasil não está comprando apenas uma mina de zinco, ou fazendo uma rodovia. O Porto de Bainova, que está em construção, vai movimentar oito milhões de toneladas ao ano. É investimento brasileiro para escoar a própria produção.
Valor: Nos últimos sete anos o PIB peruano cresceu a uma taxa média de 7%. A piora externa e a desaceleração da economia brasileira não podem frear esse crescimento e minar os investimentos?
Castillo: A nossa projeção de PIB para os próximos anos é de 6%. Nossa inflação é uma das menores do mundo, devendo ficar em 3% nesse ano. Nosso nível de endividamento do PIB é de 26% e nosso superávit fiscal é de 1,5%. Nossas reservas devem chegar a US$ 57 bilhões no fim do ano. Pela base, temos uma economia estável. O nosso problema não é crise e sim fazer novas reformas. Para esse salto para atividades mais diversificadas precisamos criar infraestrutura e novos focos de crescimento.
Burga: A crise nos afeta no sentido de que não controlamos pressão na inflação, ou nossas vendas de algumas exportações. Mas nosso crescimento é baseado em demanda e exploração de riquezas internas, com uma base estável que favorece o investimento. Só os projetos em infraestrutura garantem um crescimento entre 3% e 4% do PIB.
Valor: Mas o Brasil está com projeção de crescimento menor, o que deve afetar os investimentos privados. E o BNDES é o maior financiador desses projetos no Peru…
Burga: Não há sinais desse movimento dos empresários, pelo contrário. É justamente nessa hora que as empresas estão procuram novos projetos para crescer. E em relação ao financiamento, há também bancos multilaterais e um mercado de crédito a juros baixos no Peru. Financiamento não é problema.
Valor: A corrente de comércio entre os dois países estabilizou em US$ 3 bilhões desde 2008, com um leve crescimento no ano passado e superávit a favor do Brasil. Quais as perspectivas para essa balança?
Castillo: Se você olhar os números, o Brasil estagnou em cerca de US$ 2 bilhões, enquanto as vendas peruanas estão crescendo principalmente em manufaturas, que antes não vendíamos. Mas com o aumento dos investimentos e a consolidação dos que já estão em andamento, a troca de produtos deve se intensificar.
Fonte: Valor Econômico