Governo quer que a estatal dite as regras no setor. Especialistas apontam prejuízo ao mercado e ao acionista
Para reduzir a oscilação do preço do álcool anidro – aquele que é misturado à gasolina – e reduzir o impacto sobre a inflação, o governo colocou na guerra a sua arma mais potente: a Petrobras. A estatal deve ficar com a atribuição de jogar seu peso neste mercado para expandir enormemente a produção, tornando-se uma espécie de reguladora oficial. A idéia é que a estatal aumente sua participação na produção total de 5% para 15% em apenas quatro anos, o que daria à empresa a capacidade de regular o preço. O problema é que, com crescente interferência política no ramo, os investidores podem fugir dos canaviais e suspender futuros projetos. Os acionistas da Petrobras, por sua vez, verão uma nova investida da atual diretoria em um negócio que parece destinado a dar prejuízo. “A notícia assusta o produtor de cana, o consumidor e o acionista, já que indica que o mercado poderá ser influenciado por decisões políticas. Isto gera incerteza e aumenta os riscos”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (Cbie).
Outro ponto criticado pelos especialistas é que, com a entrada da Petrobras, o setor perderá o equilíbrio. O mercado de álcool, diferentemente da gasolina, funciona estritamente em conformidade com as leis de oferta e demanda. Na entressafra, a produção cai e os preços sobem, encontrando o reequilíbrio nos meses seguintes. A Petrobras é um agente que pode desestabilizar esta relação, posto que já tem controle sobre a gasolina e o diesel. A intenção do governo de diminuir movimentos bruscos nas cotações é louvável, mas, para isso, a literatura econômica prega que é preciso aprimorar a regulação, agindo de forma justa e transparente. O uso da estatal tem tudo para oferecer o contrário, trazendo incertezas ao negócio. Afinal, poucos saberão ao certo como e em que exato momento a Petrobras agirá a cada ano. Além disso, a companhia tem a clara atribuição de baixar os preços na marra, o que naturalmente pode reduzir a rentabilidade no setor e tornar o investimento em etanol menos atrativo.
As armas do governo para reduzir a oscilação do preço do álcool e seu impacto sobre a inflação não param por aí. No dia 28 de abril, a presidente Dilma Rousseff publicou uma medida provisória (MP 532) que repassa à Agência Nacional de Petróleo (ANP) o poder de regular a produção, importação, exportação, estocagem e venda do etanol. A MP também amplia para 18% a 25% a “banda” para as porcentagens de mistura do álcool anidro à gasolina. Atualmente, os limites mínimo e máximo equivalem a, respectivamente, 20% e 25% e a ANP tem 180 dias para se adaptar à mudança. Já as empresas devem obedecer a um prazo a ser estabelecido pela ANP. Outro objetivo do governo é a criação de estoques reguladores para sanar a diminuição da oferta do combustível nos meses de entressafra e, com isso, diminuir a alta de preços.
O governo argumenta que o novo momento da indústria de açúcar e álcool não será sinônimo de mudança radicais. “Para os produtores não mudará muito”, aponta Cid Caldas, diretor do departamento de açúcar e álcool do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. “Hoje o ministério acompanha a produção até a porta da usina. Agora a ANP pode fazer políticas em momento de excesso ou escassez de oferta”. A confusão é tanta que sobrou tempo para a ANP acusar os postos de gasolina de formação de cartel em alguns locais. A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) se defende. “O Ministro Lobão, como principal autoridade do setor no Brasil, sabe muito bem, ou deveria saber, que a recente alta dos combustíveis teve origem nas usinas, não nos postos, nem na Petrobras. As próprias medidas anunciadas pela presidenta Dilma Rousseff mostram que o governo identificou de onde veio o aumento e buscou atacar o problema”, destaca Paulo Miranda Soares, presidente da entidade.
Entre os produtores, poucos se arriscam a comentar as novas medidas. Enquanto a entrada da ANP no setor é aparentemente bem-vinda, outras mudanças são vistas com ressalva. Eles temem que um uso político da Petrobras e outras medidas regulatórias elevem os riscos do negócio, o que poderia se refletir tanto em juros mais altos nos financiamentos para o setor quanto em fuga de investidores. “Para ajudar o setor a expandir a produção, o ideal seria a concessão de incentivos de financiamento e tributação”, diz Sergio Prado, representante regional da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica). Este é o desejo dos usineiros, que almejam tão somente auxílio para expandir a oferta, o que tenderia a reduzir os preços sem maiores sobressaltos. Já o Planalto se ressente da falta uma legislação que diminua o quanto antes as oscilações dos preços e uma política efetiva de combustível, em que haja a garantia de oferta já no começo da safra. Isto, em tese, evitaria que os produtores de cana virassem os vilões da inflação como tem acontecido.
Prejuízo ao acionista – Procurada pela reportagem, a Petrobras Biocombustível – o braço da petrolífera que atua em fontes de energia renovável – limitou-se a confirmar que vai aumentar os investimentos na produção de etanol e que os projetos serão revelados quando da apresentação do Plano de Negócios 2011-15 da Petrobras. Independentemente disso, os analistas apontam que não haverá tempo hábil para expandir a produção em 2012 a ponto de evitar uma nova explosão de preços.
Outra certeza dos especialistas é que a estatal não está “entrando neste jogo” como empresa capitalista preocupada em gerar valor a seus acionistas. Ela atenderá a um projeto de governo que a levará a amargar, senão lucros reduzidos, prejuízo na operação. No final dessa guerra armada pelo governo, não há nenhuma certeza que o consumidor será beneficiado. Já o acionista deve ser penalizado mais uma vez.
Fonte: VEJA