“Tem cadeira, Julio?”, pergunta com sotaque carregado o turista italiano. “Não, não tem.” Julio Capone, dono de uma barraca de cadeiras e guarda-sóis em Ipanema, na zona sul do Rio, baixa os olhos atrás dos óculos de grau. “Estou com a cara no chão.”

Desde que o Choque de Ordem desembarcou na praia onde ele trabalha há 28 anos, a negativa passou a ser frequente. A ação da prefeitura do Rio pela ordem pública, que há dois meses tenta “padronizar” Ipanema, Leblon e Arpoador, define o limite de 80 cadeiras e 40 guarda-sóis –Capone tinha 150 e 80 peças, respectivamente.

“Num dia de sol, trabalho com 300 pessoas. Lógico que elas não chegam no mesmo horário e, por isso, com minhas 150 cadeiras, eu podia atender a todos. Mas 80 é um absurdo, um desencontro.”

A prefeitura diz que o total de cadeiras guarda-sóis foi definido pela Associação do Comércio Legalizado de Praia, em documento com 820 assinaturas de comerciantes. Além das 80 cadeiras amarelas e 40 guarda-sóis, cada um dos 197 barraqueiros licenciados para as três praias recebe da prefeitura duas caixas térmicas, duas lixeiras e uma tenda branca.

As caixas térmicas, apenas duas, são outro motivo de queixa: “Temos mais justamente para deixar gelando os produtos. Vendia 200 cocos antes. Agora, só posso vender 120, porque não tenho como repor coco gelado. O cliente que vem a Ipanema não quer coco quente”, diz Capone.

“E não pode fazer caipirinha nem vender piña colada [drinque de abacaxi com leite condensado]. Também não pode abrir coco, porque não pode ter facão na barraca”, conta Maria José dos Reis, 38, paraibana que se mudou aos 17 anos para o Rio e trabalha desde então na areia.

Caipirinha, agora, só industrializada. O mate de galão –clássico das praias cariocas assim como o biscoito Globo– foi liberado, mas o queijo coalho, não. A prefeitura diz “tolerar” o mate de galão (embora a Vigilância Sanitária peça a proibição) e promete coletar amostras periodicamente para análises de qualidade.

A professora Vera Pereira, 60, há anos troca Teresópolis pela capital do Rio em Janeiro. Na última semana, sentada no Leme, contava orgulhosa seu feito: “Dois garotos jogavam bola na frente do mar. Fui lá, pedi para parar”.

Embora o Choque de Ordem deva chegar ao Leme e a Copacabana só em meados de janeiro, os garotos pararam: jogar bola, perto da água, seja como frescobol, futebol ou vôlei, está proibido das 8h às 17h.

Folha de São Paulo