Não é absurda a sugestão de Bill Gates, de que o Brasil olhe para os países da África com generosidade

O BRASIL começa a ser cobrado como se fosse um novo-rico no cenário internacional. Uma dessas cobranças diretas foi feita pelo fundador da Microsoft, Bill Gates, à repórter Patrícia Campos Mello, da Folha.

Gates sugeriu que o Brasil aumente suas doações aos países pobres, principalmente os da África. Ele quer que o Brasil separe uma parte maior do Orçamento para ajuda externa, uma vez que o país estaria mais rico, com enormes reservas de petróleo, enquanto na África “há mães e crianças morrendo porque as grávidas não têm estradas para chegar à maternidade”.

As cobranças sobre os novos-ricos emergentes, também explicitadas em fóruns internacionais, como o G20 do início deste mês, se estendem para a Índia e para a China.

Sem dúvida, houve uma mudança importante na economia mundial nas duas últimas décadas. Os países em desenvolvimento emergiram num ritmo mais rápido do que previu o famoso trabalho do Goldman Sachs que criou a sigla Bric.

Apesar disso, esses países estão longe de alcançar um nível em que efetivamente possam ser considerados ricos. A pobreza ainda é explícita em muitas áreas desses emergentes. Para comprovar isso, basta viajar para regiões mais pobres do Brasil, muitas no Nordeste, para o interior da China ou para qualquer parte da Índia. Nesses lugares, a paisagem de Primeiro Mundo ainda não aparece.

Gates sugere que o Brasil faça como a Europa e dedique 0,7% do seu PIB à ajuda externa. Se esse mesmo percentual fosse aplicado ao Brasil, daria uns US$ 12 bilhões por ano. Trata-se de um valor elevado, mais ou menos o que o país deve gastar em 2012 com o Bolsa Família.

Vai aqui uma pergunta objetiva: seria absurdo pensar em estender o bem-sucedido Bolsa Família a algumas sofridas populações da África? Minha resposta é não. E, como não é razoável ter a pretensão de cuidar da pobreza na África inteira, penso logo em Angola e em Moçambique, duas nações da comunidade de língua portuguesa e culturalmente mais próximas do Brasil.

Não há como garantir, sem maiores estudos, que essa extensão do Bolsa Família seja tecnicamente factível, mas, sem dúvida, ela seria humanitariamente memorável, uma enorme demonstração da generosidade e da solidariedade brasileiras.

Por ser uma ajuda localizada, seriam necessários cuidados diplomáticos para não configurar ingerência externa. Além de recursos, o Brasil levaria para a África a tecnologia de um dos maiores programas de transferência de renda que se conhece, com resultados efetivos no combate à fome e à pobreza.

Certamente, esse gasto além-fronteiras demandaria aprovação política do Congresso brasileiro. Além disso, a ação exigiria cuidados extremos para evitar corrupção na implantação do programa e apropriação indevida de recursos por intermediários. E o Brasil deveria solicitar contrapartidas de recursos dos governos locais e de organizações internacionais, como a ONU.

Angola ocupa a 148ª posição no ranking das 187 nações que entram no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Moçambique está na 184ª, ou seja, apenas três países são mais pobres: Burundi, Níger e República Democrática do Congo.

O PIB de Angola, com seus 13,3 milhões de habitantes, atingiu

US$ 107 bilhões em 2010. Trata-se de um país com grandes reservas e produção de petróleo, mas com renda mal distribuída e pobreza. O índice de mortalidade infantil é de 176 por 1.000 nascidos vivos e a expectativa de vida é de 39 anos.

Moçambique, com 23 milhões de habitantes, tem PIB de US$ 21 bilhões e renda per capita abaixo de US$ 1.000 por ano. Cerca de 70% da população vive abaixo da linha de pobreza.

O Brasil, embora ainda seja um país com enormes deficiências e bolsões de pobreza, tem números melhores. Não é absurda a sugestão de Bill Gates, de o país olhar para a África com generosidade, o que não deixaria os brasileiros mais pobres.

Afinal, o país tem tecnologia social e recursos e, não custa lembrar, mantém uma conta histórica em aberto com os povos africanos, que ajudaram a construir com trabalho e lágrimas as bases da gigante economia que temos hoje.

BENJAMIN STEINBRUCH, 58, empresário, é diretor- presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a cada 14 dias, nesta coluna.

bvictoria@psi.com.br

 

fonte: folha de sp