O Protocolo de Kyoto e as emissões de carbono estão no centro do atual debate internacional, sendo dos mais importantes temas do Direito Ambiental Internacional. É importante observar que todas as questões envolvidas na discussão dizem respeito ao volume de emissões de cada um dos países signatários e até mesmo dos Estados Unidos, até aqui, que não aceita as obrigações estabelecidas no documento internacional.
Como se sabe, a ordem jurídica internacional tem uma grave fragilidade que é a capacidade de executar as decisões tomadas e acordadas nos tratados e convenções internacionais. Se aquele que se nega a dar cumprimento ao tratado ou à convenção é suficientemente forte militar ou economicamente, a comunidade internacional tem pouca chance de penalizá-lo. Aqui existe um problema moral relevante, pois a norma de direito internacional tende a se transformar em uma ficção para os mais fortes, demonstrando que ainda estamos distantes de uma verdadeira civilização. O obedecimento da lei internacional é uma prova de nossa maturidade ou imaturidade. No particular, muito embora a humanidade tenha avançado, o fato objetivo e concreto é que ainda há muito por ser feito.
O Protocolo de Kyoto estabeleceu metas para os países do Anexo I, definindo que os países do não anexo, estão isentos de metas. A lógica do Protocolo, assim como a lógica subjacente aos tratados e convenções internacionais é que eles são firmados pelos sujeitos de direito internacional que, em tese, ao manifestarem sua vontade perante a sociedade internacional obrigam-se juridicamente perante a comunicade internacional. A realidade deste início de segunda década do século XXI é, contudo, mais complexa e necessitaria de uma reflexão produnda sobre os novos sujeitos de direito internacional. Fora como a Organização das Nações Unidas, Organização Mundial de Propriedade Intelectual e outros já admitem que várias organizações civis participem das reuniões na condição de observadores, citem-se como exemplo os Médicos Sem Fronteira, Greenpeace e outros.
No caso específico das emissões de carbono, podemos verificar que, há cerca de 3 ou 4 décadas, teve início um processo muito forte de transferência de atividades emissoras de carbono para os países do terceiro mundo, com destaque para a China. O processo de transferência da base industrial emissora de carbono para o terceiro mundo foi enormemente facilitado com o enrijecimento das leis de proteção de propriedade intelectual que, sem emissão de uma única molécula de carbono, asseguram a supremacia econômica daqueles que detem a patente.
A criação da Organização Mundial de Comércio (OMC) e o tratado TRIPS (Tratado de direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio) impulsionaram a tendência. Imagine-se que o Brasil, a China e a Índia adoatassem metas obrigatórias de redução de emissões e não apenas de redução do futuro aumento de emissões, nada impediria, por exemplo, que as emissões fossem transferidas para o Congo, Bangladesh e o Paraguai, por exemplo. Não só a propriedade das indústrias, de suas patentes, bem como o mercado consumidor permitiriam que a migração ocorresse sem, em tese, qualquer violação do Protocolo, haja vista que os países do não anexo estão dispensados de dar cumprimento a qualquer meta.
Assim, em meu ponto de vista, parece bastante evidente que há uma lacuna legal bastante importante e que merece ser examinada pelos especialistas na matéria. Seria de todo conveniente que, no âmbito da sociedade internacional as organizações industriais fossem reconhecidas como sujeitos de direito internacional e que se estabelecessem metas específicas or setor, independentemente dos países nos quais as industrias estivessem instaladas. Tento fazer-me claro: determinado setor industrial teria que atingir determinada meta mundial de redução, independentemente do país no qual a atividade estivesse instalada. Utopicamente, seria conveniente que um organismo internacional estabelecesse padrões de eficiência para novas plantas industriais quaisquer que fossem os locais de sua futura instalação. A harmonização, por cima, de padrões de emissões seria uma forma de impedir uma competição industrial baseada em padrões ambientais mais lenientes, como tem sido a prática recente.
Por fim, cogitar-se de uma organização internacional voltada especificamente para dirimir questões ambientais, à semelhança dos painéis da OMC, talvez fosse uma forma superior para o enfretamento de problemas que são cada vez mais reais e relevantes.
Paulo Bessa é advogado, Mestre e Doutor em Direito.
O Eco
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