Segundo biomédico brasileiro, estrangeiros deixam Tóquio de volta a seus países ou rumo ao sul, assustados com a falta de comida nos supermercados

Mulheres tentam fazer compras entre prateleiras quase vazias dos supermercados do Japão (Gemilson Pontes, de Tóquio)

Mulheres tentam fazer compras entre prateleiras quase vazias dos supermercados do Japão (Gemilson Pontes, de Tóquio)

Nas prateleiras dos supermercados de Tóquio, era difícil encontrar qualquer coisa para comprar na manhã desta segunda-feira. Menos serenos e contidos que os japoneses – que seguem fazendo filas e mantendo a ordem até nas situações de maior aperto -, o medo da privação começa a espantar muitos estrangeiros rumo ao sul ou de volta para seus países de origem. “Estou levando a família para casa”, decidiu o paraense Gemilson Soares Pontes, de 30 anos. “Não vou arriscar. Tóquio está ficando sombria. Estamos sem trem, o racionamento de luz vai começar e os supermercados estão vazios. Não vou deixar minha mulher e minha filha aqui”.

No Japão há quatro anos, o doutorando em biomedicina pretende levar de volta a Belém a mulher, Thabata Reis Pontes, de 23 anos, e a pequena Alissa, filha de 11 meses do casal. Gemilson está angustiado com a decisão que teve de tomar. “Deixo para trás um mês de bolsa de estudos na Universidade de Tóquio, que é nossa renda familiar, e seis de trabalho intenso no desenvolvimento de vacinas. Meus camundongos morreram porque eu não tinha transporte para ir ao laboratório alimentá-los. E mais três meses de pesquisa serão perdidos nessa ida ao Brasil. Mas não me importo. Estudo nenhum vale a segurança de minha família.”

Como Pontes, outros estrangeiros, principalmente estudantes, fazem planos para voltar para casa ou viajar rumo ao sul do Japão, região que escapou da fúria do terremoto e do tsunami da última sexta-feira. “Ouvi dizer que algumas passagens andam caras e difíceis de comprar, mas até que consegui uma boa barganha pela minha. Embarco já na quinta-feira”, conta o brasileiro. “De toda forma, é um investimento que vai dificultar um pouco as finanças, já que ficarei um mês sem receber.”

No noticiário local, o biomédico ainda não conseguiu encontrar uma explicação para a escassez de suprimentos. Nas ruas da maior metrópole do planeta, porém, comenta-se que os suprimentos estão sendo desviados para as áreas atingidas, que merecem prioridade por estarem mais privadas de todas as necessidades básicas. “Eu tive sorte de ter feito compras bem generosas logo antes do terremoto, mas tenho amigos que estão vivendo de comer nos poucos restaurantes que ainda estão abertos. A maioria deles, na minha vizinhança, que é uma área bem agitada, já está fechada, imagino que pela dificuldade em comprar ingredientes”, conta. “Quando eu embarcar, vou doar o que sobrar na despensa para eles.”

Acabaram principalmente pão, água, leite e material de higiene pessoal. Em alguns supermercados, tudo o que se encontra é cerveja. A água potável, contudo, continua chegando às casas. Alguns metrôs voltaram a rodar, mas o sistema de trens e táxis continua com funcionamento precário. Por essa razão, muitos não puderam voltar ao trabalho. A promessa de um novo terremoto nos próximos dias impulsiona ainda mais as pessoas para fora da região.

“Apesar disso, não vemos pânico nas ruas ou brigas por itens nos supermercados. Uma parte muito marcante da cultura japonesa é essa serenidade e civilidade diante das dificuldades”, explica Pontes. O paraense, que não goza da quietude característica do povo oriental, decidiu se prevenir –  ficará na casa dos pais e dos sogros por pelo menos três semanas e depois decidirá se volta ao Japão. A este ponto da entrevista, ele pede licença para encerrar a conversa: “É hora de começar a fazer as malas”.

Fonte: VEJA