Tomás M. Petersen

Quarta-feira, 22 de junho de 2011. São 21 horas e o estádio Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, em São Paulo, está lotado — mais de 30 mil pessoas pagaram para estar lá, para testemunhar a História. Dentro das quatro linhas do gramado, vinte e dois jogadores de futebol disputam muito mais que uma taça, que um título de campeão. O que está em jogo é um símbolo, a representação de um ideal defendido há séculos por heróis como Simón Bolívar, José Bonifácio e José de San Martín, os primeiros Libertadores da América.
A vantagem, ainda que pequena, era do Santos, pois contava com o apoio da torcida. Caso o Penãrol tivesse ganhado no Uruguai, no jogo da semana anterior, uma derrota significaria esperança: a partida iria para os pênaltis. Mas o que aconteceu no dia 15 de junho foi um empate sem gols. Em São Paulo, os objetivos de ambas as equipes eram ganhar, ou ganhar.
E o time da casa (nem tanto, pois o Santos escolheu não jogar em seu estádio pois a capacidade da Vila Belmiro é menor, de 15.800 lugares) começou investindo com força em direção ao gol. Mas o primeiro tempo terminou no zero a zero, com 67% de posse de bola para o Santos e oito chutes a gol. Então a volta foi arrasadora, e aos dois minutos do segundo tempo, o ataque santista consegue furar a defesa uruguaia. Neymar, o craque de apenas 19 anos, recebe um passe do companheiro Paulo Henrique Ganso, e marca o gol que abriu o caminho para o tricampeonato.
O jogo continuou com o Santos mostrando sua força. Aos 23 minutos, Zé Carlos faz o segundo gol. Só a partir de então o Penãrol parte para cima. Aos 34, a pressão é tanta que o zagueiro Durval marca contra, ao tentar desviar um cruzamento. Mas foi apenas um susto, e o time brasileiro conseguiu segurar o título até o fim do jogo. Santos, tricampeão da Libertadores da América nos anos de 1962, 1963 e 2011.
No estádio, um entre as dezenas de milhares de torcedores era ele, o maior, o Rei: Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Vibrava a cada lance, a cada jogada, a cada gol perdido como se ele mesmo estivesse em campo. De certo, lembrou que 49 anos atrás havia sido ele, garoto de 22 anos, um dos protagonistas do primeiro título do Santos na Libertadores da América. E justamente contra o Peñarol. Ou então recordou 1963, o bicampeonato. Pelé sabe mais do que ninguém a sensação de vencer esse campeonato.
Quem também acompanhou o jogo, mas pela TV, foi Robinho. O jogador do Milan estava na Argentina, na preparação para a Copa América. Apesar de nunca ter conquistado uma Libertadores, vibrou com o gol de Neymar, pois assim como ele, Robinho um dia já fora um menino da Vila Belmiro. E foi assim naquela quarta-feira: um no estádio, um na frente da TV e um no gramado — três gerações que representam a história de glórias do Santos no futebol.

O eterno monarca
Disseram uma vez que a vida de Edson Arantes do Nascimento daria um filme. E deu mais de um: os documentários Isto é Pelé, de 1974 e dirigido por Eduardo Scorel e Luiz Carlos Barreto; e Pelé eterno, de 2004, por Aníbal Massini Neto. Ambos fizeram uma retrospectiva na carreira do ídolo, mas o último teve, digamos assim, mais conteúdo: Pelé já havia sido nomeado Atleta do Século pelo jornal francês L’Equipe, em 1981, e pelo Comitê Olímpico Internacional em 1999; maior jogador do século tanto pela Unicef (1999) quanto pela FIFA (2000); entre tantos outros títulos, inclusive o de Cavaleiro Honorário do Império Britânico. Ele é um dos poucos brasileiros com o direito de colocar um Sir antes do nome.
Edson Arantes do Nascimento veio ao mundo no dia 23 de outubro de 1940, na cidade de Três Corações, distante 287 quilômetros da capital mineira Belo Horizonte. Nasceu com o futebol no sangue: seu pai foi João Ramos do Nascimento, o Dondinho, que foi ídolo do São Lourenço. A família mudou-se para Bauru em 1945. Com 10 anos, Edson começou a jogar em times juvenis da região. No ano seguinte, 1952, foi descoberto por Waldemar de Brito, técnico do Bauru Atlético Clube. O talento era tanto que o técnico percebeu que Pelé haveria de ter uma carreira promissora, no que o apresentou ao Santos Futebol Clube em 1956, anunciando que “este vai ser o melhor jogador de futebol do mundo”.
Foi a partir desse momento que a trajetória de Pelé passou a se confundir com a história de glórias do Santos. Na sua partida de estreia, marcou um dos gols na goleada de 7 a 1 em cima do Corinthians de Santo André. Ele permaneceu fiel ao clube por 18 anos. Nesse tempo, conquistou duas Libertadors e dois Mundiais Interclubes (1962 e 1963), uma Recopa Mundial (1968) e seis campeonatos brasileiros (61, 62, 63, 64, 65 e 68). Foi pelo clube do litoral paulista que o Rei marcou o seu milésimo gol, na vitória de 2 a 1 em cima do Vasco em 19 de novembro de 1969.
Além de colocar o Santos F.C. no mundo, Pelé também participou da primeira e da terceira conquista do Brasil na Copa do Mundo, em 1958 e 1970 (na de 62 se lesionou no começo do campeonato, dando espaço para Garrincha brilhar). Sua despedida dos gramados foi no dia 1º de outubro de 1977, na partida entre New York Cosmos, seu então atual time, contra o Santos. Jogou um tempo em cada lado, mas marcou um gol pelo equipe americana, que venceu por 2 a 1. Apesar de supostamente ter virado a casaca, o “time de Pelé” ainda é um sinônimo para o Santos até hoje.

O retorno dos Meninos da Vila
Depois de um jejum de 18 anos sem conquistar um título considerado importante (o último havia sido um Campeonato Paulista, em 84) o Santos recorreu à juventude para voltar ao topo. Foi em 2002, quando o então técnico Leão lançou mão de Robinho, com 18 anos, juntamente com Diego, Elano e outros talentos da categoria de base do clube. Resultado: o Campeonato Brasileiro.
Robson de Souza nasceu em São Vicente, no estado de São Paulo. Foi lá que iniciou sua carreira no futsal, onde demonstrou seu talento em malabarismos com a bola. Chamou a atenção de um olheiro do clube Beira-Mar. O sucesso nas quadras continuou até que ele foi para a cidade de Santos, atuar no Portuários. De lá, surgiu a oportunidade para jogar no time de futsal do Santos F.C, em 1995. Um ano depois, Robinho fez o teste para a equipe infantil de futebol de campo. Foi aprovado.
A estreia do jovem foi contra o Corinthians, no torneio Rio-São Paulo. Ajudou na vitória por 3 a 1 em cima do rival – mas o time não conquistou o título. Depois de erguer o troféu do Brasileirão, 2003 foi de baixo rendimento. Mas no ano seguinte, 2004 o craque voltou com tudo e ajudou o Santos a chegar ao vice da Libertadores (o time perdeu para o Boca Júniors, da Argentina).
Em 2005, Robinho foi transferido para o Real Madrid, da Espanha, em um contrato de US$ 30 milhões. Depois foi para o Manchester City, da Inglaterra, por 40 milhões de euros, em 2008. O craque também passou a constar nas convocações da Seleção Brasileira: jogou bem nas conquistas das Copas das Confederações de 2005 e 2009, e em 2007 foi eleito o melhor jogador da Copa América, que o Brasil venceu em cima da Argentina.
No fim de 2009, Robinho começou a perder espaço no Manchester City, por causa da mudança de treinador. Foi então que voltou, por empréstimo, ao Santos em janeiro do ano seguinte, conquistando mais um Campeonato Paulista e a Copa do Brasil. Nessa temporada, Robinho teve a chance de jogar junto com a mais nova geração de craques do alvinegro praiano: Neymar, Ganso e André. Esses três são formados no Centro de Treinamento Meninos da Vila, inaugurado em agosto de 2006, e que possui dois campos batizados de forma a homenagear duas crias da casa: Robinho e Diego.

Para o bem de todos…
Neymar da Silva Santos Júnior apareceu de vez no futebol em 2009. Antes, já demonstrava habilidade nas categorias de base dos Santos, mas foi com 17 anos que estreou profissionalmente. Foi em uma partida contra o Oeste de Itápolis, em 7 de março, pelo Campeonato Paulista. O time venceu mas o craque não marcou gol, o que só aconteceu na rodada seguinte em cima do Mogi Mirim. A equipe chegou à final contra o Corinthians, mas Neymar não demonstrou habilidade nas duas partidas. O Santos se contentou com o vice-campeonato, mas o garoto recebeu o título de Revelação daquele ano.
No Paulistão de 2010 foi diferente. Neymar, junto com Paulo Henrique Ganso e André, e ajudados por Robinho, formaram um verdadeiro esquadrão de meninos da vila. Além desse campeonato, venceram a Copa do Brasil com goleadas exageradas: 10 a 0 contra o Naviraiense e 8 a 1 contra o Guarani; neste, Neymar marcou cinco vezes. No primeiro jogo da final, na Vila Belmiro, fez um dos gols do placar de 2 a 0 em cima do Vitória. Perderam a partida de volta, em Salvador, por 1 a 0, mas o título ficou mesmo com o Santos pelo critério de saldo de gols. Também tiveram direito a uma vaga para a Libertadores do ano seguinte.
Depois do destaque recebido pelas ótimas atuações na temporada, era quase certa a saída de Neymar. Especularam-se propostas feitas pelo Chelsea, da Inglaterra, de até 35 milhões de euros. Porém, o dia 19 de agosto de 2010 pode ser considerado o Dia do Fico para os santistas. Assim como Dom Pedro I fez em 1822, o craque, ao lado do pai e também empresário Neymar da Silva Santos, anunciou em coletiva de imprensa a permanência no clube paulista. A decisão do antigo Imperador do Brasil culminou com a independência do paíse em 7 de setembro de 1822; o anúncio do jovem talento do futebol teve como consequência o título da Libertadores da América em 22 de junho de 2011. Tantas coincidências.