O escritor português José Saramago, 75, é o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura. O anúncio foi feito na manhã de ontem.
Segundo a Academia Sueca, responsável pela atribuição do prêmio, Saramago o recebe por uma obra “cujas parábolas, respaldadas por imaginação, piedade e ironia, nos permitem apreender de forma contínua uma realidade ilusória”.
Escritor José Saramago agradece ao público após leitura de suas obras em São Paulo |
O autor soube da notícia quando se dirigia ao aeroporto de Frankfurt, de volta para sua casa nas ilhas Canárias depois de participar da feira de livros alemã. Acabou não embarcando.
Saramago afirmou que achava que poderia vencer, “mas não tinha idéia de que aconteceria neste ano”. Seu nome tem sido constantemente cotado para o prêmio –no ano passado, perdeu para o dramaturgo italiano Dario Fo.
Há um mês, afirmou numa entrevista estar farto da publicidade que os meios de comunicação dão anualmente ao Prêmio Nobel.
Célebre pela mistura que faz entre realismo mágico e crônica política em sua obra, Saramago tem negado que sofra influências de autores latino-americanos como Gabriel García Márquez.
“A literatura européia não precisa emprestar o realismo mágico e a fantasia da América Latina. Qualquer país pode ter suas próprias raízes de realismo mágico”, afirmou. Sua obra tem traduções em cerca de 25 idiomas.
No momento em que entrou novamente na Feira de Livros de Frankfurt, ele teve uma recepção digna de um grande popstar.
Topou com centenas de jornalistas trocando empurrões e cotoveladas, gente caindo no chão, gritando Saramago com os sotaques mais variados e abanando rosas vermelhas em sua direção.
Três horas antes de virar o novo Michael Jackson da literatura, Saramago recebeu a Folha para uma entrevista exclusiva. Com terno cinza, gravata escura e olheiras discretas, Saramago tinha dificuldades em “manter a serenidade”.
Ele se recusou a falar sobre “A Caverna”, livro que está escrevendo (“não se pode falar de algo que ainda não existe”) e explicou como estava lidando com mais uma especulação de que poderia ganhar o Prêmio Nobel.
Saramago deve deixar a Alemanha amanhã. O autor, que veio a Frankfurt para participar do debate “Ser Comunista Hoje”, volta para casa com cerca de US$ 985 mil, quantia que acompanha o Nobel.
Leia a seguir trechos da última entrevista pré-Nobel de Saramago.
Folha – O escritor Salman Rushdie disse em um jantar com seus editores do mundo todo, terça aqui em Frankfurt, que estava torcendo para o sr. ganhar o Prêmio Nobel. Como o sr. reagiu a essa declaração?
José Saramago – Não fiquei sabendo disso (fala arregalando os olhos). Mas penso que pode dar boa sorte. Hoje (ontem) saber-se-á.
Folha – O sr. está muito apreensivo com a proximidade do prêmio?
Saramago – É impossível não perder um pouco a serenidade olhando para os jornais, vendo as notícias. Os amigos dizem: Neste ano, sim, neste ano é que vai sair o prêmio.
Folha – E o sr. mudou de alguma forma seu cotidiano por causa da proximidade do anúncio do Nobel?
Saramago – Não se pode dizer que vivo estes dias completamente, mas procuro conservar o equilíbrio e relativizar as coisas.
Folha – (O autor português) José Cardoso Pires (atualmente em coma profundo), disse pouco antes de adoecer que é um escritor que não gosta de ganhar prêmios. O sr. já ganhou muitos deles (mais de 15 prêmios, entre os quais o Camões, o mais importante de Portugal). Como receberia o Nobel?
Saramago – Se vier, será muito bem-recebido. Se não vier, pois, não veio.
Folha – O que o sr. pretende fazer se ganhar o prêmio? Como comemoraria?
Saramago – Ponha-se no meu lugar. Receberia com muita satisfação. Mas o que acontece é que quando se chega a uma certa idade, essas coisas são recebidas com uma grande serenidade. Acho que é essa a palavra: serenidade.
Folha – Onde o sr. estará quando for anunciado o prêmio?
Saramago – Estarei no avião, rumo a Lanzarote. Farei escala em Madri. Devo chegar lá às 8h, 8h e um quarto. Mas logo que eu chegar a Madri, saberei. Ligo para minha casa e pergunto para minha mulher o que é que se passou.
Folha – O que o sr., que completou em 1997 50 anos de literatura, achou do que viu nesta edição da Feira de Frankfurt, que acaba de fazer meio século de vida?
Saramago – Ainda é a feira mais importante de livros no mundo. Não é um evento literário. É um lugar de encontros. Neste ano, penso que a feira está mais tranquila. Há alguns anos era um lugar de grandes especulações, de vendas de livros que ainda não estavam escritos, muita vaidade. Era uma coisa até bastante desagradável do ponto de vista dos autores, claro que não os que estavam negociando (risos). A feira ganhou nos últimos anos um tom mais discreto.
Folha – E o que o sr. pensa de os organizadores da feira terem escolhido como tema principal deste ano a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que também completa 50 anos em 1998?
Saramago – Acho importante. A situação dos direitos humanos é péssima. Basta fazer um exercício para ver. Faça uma lista dos países que assinaram a declaração. Depois, uma lista de quais países violaram os direitos humanos nos últimos anos. Estão todos lá.
O documento é o testemunho de uma vontade, mas que ficou limitada ao texto. Após 50 anos, ainda temos que lutar não pelo desenvolvimento dos direitos humanos, mas pela implantação dos mais fundamentais direitos humanos. Após 50 anos, estamos, como vocês dizem no Brasil, na estaca zero.
Como os direitos humanos podem ser satisfeitos se as 225 pessoas mais ricas do mundo têm mais de 40% da riqueza do planeta? Deve haver uma privação de riqueza de um lado e uma acumulação do outro.
Folha – A vitória do social-democrata Gerhard Schroeder faz com que, com exceção da Espanha e da Irlanda, todos os outros grandes países europeus tenham governos de orientação política esquerdista ou centro-esquerdista. O sr. acredita que os direitos humanos estão recebendo mais atenção?
Saramago – Não muito. As idéias socialistas estão em crise. Esse socialismo que triunfa na Europa não é legítimo. Trata-se de um socialismo de cor liberal.
Folha – O sr. poderia adiantar algo sobre o livro que está escrevendo, “A Caverna”?
Saramago – Bah, não se pode falar de algo que ainda não existe.