A Copa-14 não é o evento inocente de 1950; é um evento global que coloca o país na vitrine do mundo
OUTRO DIA um amigo esteve no estádio. Estacionar foi uma guerra, e ele teve de pagar ao flanelinha quase o valor do ingresso. Para chegar ao portão, foi esmagado com o filho num empurra-empurra assustador, tocado e estocado pela cavalaria. E ele adorou o jogo!
Que business, tirando o do sadomasoquismo, conseguiria tratar o cliente no cassetete e ele seguir voltando? Só o futebol. A paixão é sempre o melhor negócio.
Ou não: o negócio do futebol no país do futebol ainda segue aspirante comparado aos supercampeonatos e aos supertimes da Europa.
Mas a presença da Copa do Mundo de 2014, o enfraquecimento europeu com a crise econômica e a nova força da economia brasileira estão transformando o nosso futebol.
Os craques começam a voltar do exílio, os clubes evoluem para empresas e o futebol-arte vira também futebol espetáculo.
A Copa não começou, mas já está entre nós. Não só nas obras dos estádios e de mobilidade urbana que melhorarão a experiência boleira.
Há uma nova geração de dirigentes e de empresários entrando em campo numa irresistível onda de profissionalização.
Empresas especializadas como a 9ine, de Ronaldo, a participação de um craque de sua estatura nesse business, a realização do principal evento de negócios do futebol do mundo, a Soccerex, em novembro no Rio de Janeiro, provam que as coisas já estão mudando.
Neymar ficar é outra prova. Basta ver o desejo das megamarcas brasileiras pelo craque santista para entender o valor do futebol.
Vamos ser criativos e profissionais, que o céu será o limite. Em 22 de outubro, Flamengo e Santos se enfrentarão no Rio de Janeiro.
Mais que um Fla-San, será o clássico Ro-Ney, Ronaldinho versus Neymar, a primeira disputa galáctica do Campeonato Brasileiro em anos. Que marca quer ficar fora desse palco espetacular?
O futebol espetáculo e a Copa de 2014 surgem juntos com a nova prosperidade do Brasil, assim como o jejum entre 1970 e 1994 acompanhou os anos de chumbo econômico, não por acaso encerrados no ano do Plano Real. O futebol explica o Brasil.
Os anos 2010 têm tudo para ser a melhor década do Brasil, e a crônica mundial já notou que os craques estão voltando para o país depois do longo inverno europeu.
Fareed Zakaria, colunista americano, disse na CNN que “um pequeno clube de São Paulo” estava tentando tirar o argentino Tevez do Manchester City por US$ 55 milhões. Zakaria acertou no ângulo ao dizer que aquilo era sinal claro da emergência global do Brasil. Mas chutou para a arquibancada ao chamar o Corinthians de “pequeno clube”.
Zakaria pediu desculpas à Fiel, mas, jornalista, pôs o dedo na ferida. Lembrou que o Corinthians, apesar dos cem anos e de milhões de torcedores, não está no ranking dos grandes times pelo lado da receita.
O Real Madrid, que virou global graças a Ronaldo, Roberto Carlos e Robinho, liderou esse ranking com faturamento de € 440 milhões em 2010 -quase R$ 1 bilhão. Isso é futebol de resultado. Nossos clubes podem e devem almejar essas cifras.
A grande transformação dos clubes europeus em grandes empresas globais, com capital aberto e gestão de primeira, bom para os clubes, os torcedores e a economia de seus países, criaram “benchmarks” como o próprio Real, o Barcelona, o Manchester United, o Porto, que estão aí para serem debulhados pelos novos dirigentes brasileiros.
E não devemos nos contentar com o território nacional. O potencial global de times como Santos, Flamengo e tantos outros é evidente: quanto vale a experiência de um Maracanã lotado para um estrangeiro? Muito! Só precisamos empacotar.
A Copa de 2014 não é o evento inocente e paroquial de 1950. É um evento global que tem o poder de organizar uma nação, que põe dia, data e hora para que as coisas aconteçam. Que coloca o país na vitrine e na vidraça do mundo, que estabelece uma pauta objetiva.
O futebol foi nosso primeiro desejo de potência global realizado. Ele projetou o Brasil alegre, inovador, vencedor, bonito, o país do futebol. Nasci em 1958, ano de nosso primeiro título mundial, e cresci marcado por nossas grandes conquistas. Isso formou minha ambição, nossa ambição, de um dia estarmos à altura do nosso futebol, campeões do mundo. Esse dia chegou.
NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças, a cada 14 dias, nesta coluna.
fonte: Folha de SP