Maria Alice Doria*
O cerrado, por tratar-se de um dos ambientes mais ricos em termos de diversidade, possuindo uma enorme quantidade de espécies endêmicas, obteve particular atenção do legislador que, através da instituição de reserva legal, objetivou viabilizar o uso sustentável da terra e impedir a crescente devastação desse rico bioma.
A necessidade de harmonizar a utilização da terra e a preservação da biodiversidade justifica a existência de normas legais bastante restritivas ao uso do solo, as quais obriga que seja respeitado o limite máximo para a agropecuária, garantindo assim um percentual mínimo destinado a manter a vegetação nativa e com isso permitir a preservação de toda a fauna local.
Assim sendo, o Código Florestal (Lei federal nº. 4771/65) impõe a preservação de determinado percentual de área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas. A esse percentual é que chamou o legislador de reserva legal.
Especialmente no que se refere ao cerrado, no art. 16 do Código Florestal verifica-se a obrigatoriedade de que 35% da área da propriedade situada na Amazônia legal, ou 20% da área em outras localidades do país, sejam destinadas ao cumprimento da reserva legal deste bioma.
No entanto, dessa imposição legal advém problemas com os proprietários de terra, uma vez que sobre a reserva legal impera uma limitação do uso da terra: não pode haver supressão de vegetação nativa, apenas pode ser utilizada sob o regime de manejo florestal sustentável, mediante aprovação do órgão ambiental, e de acordo com critérios técnicos e científicos. Ademais, impôs o Código Florestal a obrigatoriedade de recompor a reserva legal da propriedade. Neste caso a obrigação de recomposição da reserva legal é do proprietário ou possuidor do bem, pouco importando que a propriedade tenha sido adquirida já sem a cobertura vegetal. Há de se esclarecer que a responsabilidade pela preservação das áreas ambientalmente protegidas cabe ao atual proprietário ou ocupante da terra.
Assim, é importante observar que a reserva florestal é ônus que recai sobre o bem imóvel, devendo ser respeitada por todos os adquirentes futuros ou possuidores. Em especial quanto ao cerrado, é importante observar a localização da área para o estabelecimento do percentual da propriedade a ser destinado para fins de reserva legal, considerando o percentual maior quando o imóvel localizar-se na Amazônia Legal.
Por fim, vale mencionar que o devido cumprimento do dever de estabelecer a reserva florestal legal faz parte da função social da propriedade, cujo descumprimento sujeita o proprietário/possuidor a sanções administrativas (autuações e multas), civis (obrigação de recuperar a área desmatada) e criminais (a não preservação de área protegidas constitui crime ambiental), razão pela qual, a fim de afastar eventual responsabilidade, deve o possuidor direto ou indireto providenciar a regularização da reserva legal, seja através da recomposição ou outro método legal permitido.
*Maria Alice Doria – sócia responsável pela área ambiental do escritório Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados Associados, com a colaboração da advogada Patrícia Guimarães.