O AQUÍFERO Guarani não se compara ao petróleo do pré-sal em valor, mas é igualmente estratégico. São 1,2 milhão de km2 de rochas porosas encharcadas, a 1.500 m de profundidade, sob uma espessa camada de lava solidificada na forma de basalto. Este reservatório do tamanho da África do Sul poderia abastecer 400 milhões de pessoas de forma sustentável.

Há cerca de 7.000 poços servidos pelo Guarani registrados no Brasil. Oito Estados repartem 71% da área do aquífero. O restante é partilhado por Argentina (19%), Paraguai (6%) e Uruguai (4%). A recarga desse mar subterrâneo ocorre nas poucas áreas em que aflora a camada de rochas permeáveis, por onde a água da chuva penetra. Sem superexploração nem contaminação por agrotóxicos, o abastecimento pode durar milênios.

Dado o caráter interestadual e multinacional do recurso hídrico, não seria descabido pô-lo sob titularidade da União. Não foi isso, contudo, o disposto pela Constituição, que inclui as águas subterrâneas entre os bens dos Estados. Agora uma proposta de emenda constitucional em curso no Senado prevê que os aquíferos passem para a tutela federal.

O principal efeito dessa mudança seria transferir à União o direito de cobrar pela utilização do recurso, receita que hoje reverte para os governos estaduais. A cobrança, atualmente, é empregada apenas em duas bacias hidrográficas do Sudeste, as dos rios Paraíba do Sul e Piracicaba. Cidades do porte de Ribeirão Preto, contudo, já são integralmente abastecidas pelo Guarani.

Estima-se que a taxação de aquíferos possa render cinco a dez vezes mais que a dos rios. Com a crescente contaminação das águas superficiais, os poços artesianos tendem a se disseminar. Os Estados não aceitarão perder essa receita promissora. Por outro lado, cumpre prevenir o risco de que administrações estaduais menos responsáveis estimulem a superexploração ou tolerem a poluição das águas profundas. Uma saída para o impasse seria transferir à União apenas o poder de outorga e regulação da exploração -as receitas continuariam estaduais.

O importante não é engordar os cofres da União, mas garantir que o aquífero Guarani permaneça limpo e disponível para as gerações que virão.

Folha de São Paulo