Um caderno de anotações e duas câmeras fotográficas guardam os registros dos últimos dias de trabalho da fundadora da Pastoral da Criança, a médica sanitarista e pediatra brasileira Zilda Arns, morta em 12 de janeiro, no terremoto que atingiu o Haiti.

Entregue anteontem a familiares da médica, o material foi salvo -por acaso- por um seminarista haitiano, que participou da última palestra proferida por Zilda em Porto Príncipe.

A médica viajou para participar de conferência religiosa e compartilhar a experiência da pastoral, que planejava implantar naquele país.

Honoré Eugur, 37, recebeu de Zilda, que procurava colaboradores para a pastoral no Haiti, um caderno para que anotasse o seu endereço. Ele também ficou segurando duas sacolas enquanto a médica brasileira respondia a perguntas de um grupo de religiosos locais sobre o trabalho da Pastoral da Criança.

No momento em que Eugur escrevia, o chão começou a tremer e a maior parte do edifício de três andares em frente à igreja Sacré Coeur de Tugeau desabou, matando a pediatra e outras 15 pessoas que conversavam com ela após a palestra. Eugur se salvou por pouco.

“Eu estava a menos de um metro dela [Zilda Arns] e, quando tremeu, me joguei no chão, rezando “Ave Maria”. O lugar onde eu estava não se desmanchou”, relembrou o seminarista.

Ele e outros seis seminaristas haitianos chegaram nesta semana a Viamão (região metropolitana de Porto Alegre) para estudar na Congregação dos Oblatos de São Francisco de Sales, ordem que mantém projetos sociais no Haiti.

No caderno, estão anotações feitas por Zilda a respeito de seus compromissos no Haiti. A palestra proferida pela brasileira está registrada em tópicos como “criação de uma cultura da vida” e “respeito aos direitos da pessoa”. Participaram do evento cerca de 150 pessoas, sendo a maioria padres.

“O caderno era um testemunho da vida e da obra dela. Ela morreu com o povo sofrido por uma causa justa”, afirmou Eugur.
Nas sacolas havia duas câmeras fotográficas, que guardavam imagens de Zilda no Haiti, objetos pessoais da médica (cartões de visita, óculos, chaves, uma escova de cabelo), US$ 2.043, além do passaporte da assessora da pastoral Rosângela Maria Altoé, que estava com Zilda na hora do acidente e conseguiu se salvar. O material foi entregue por Eugur ao padre brasileiro Carlos Martins de Borba, que voltou do Haiti no dia 12.

Na quinta, Borba devolveu as sacolas a familiares da fundadora da Pastoral da Criança. “As anotações mostram uma pessoa muito organizada e metódica, com muitos detalhes sobre o Haiti e o trabalho da pastoral. Ela viveu pelos mais pobres”, disse o padre.

Folha de São Paulo