Em clima de celebração, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou ontem o Estatuto da Igualdade Racial, com um texto esvaziado dos pontos mais polêmicos. Ficaram de fora a criação de cotas de 20% para negros em filmes e programas veiculados nas TVs e o detalhamento para demarcar terras quilombolas. A proposta original, do senador Paulo Paim (PT-RS), também previa uma reserva fixa para negros em instituições públicas de ensino superior.
Para o ministro Edson Santos (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), o estatuto é um ponto de partida que reconhece e dá visibilidade à questão negra. Como ficou, o estatuto estabelece políticas de proteção e promoção da comunidade negra em diversos campos. Há também pontos mais práticos, como a possibilidade de o governo criar incentivos fiscais para empresas com mais de 20 empregados e pelo menos 20% de negros. Diz ainda que o poder público adotará ações afirmativas em instituições públicas federais de ensino -sem prever cotas- e promoverá a igualdade de oportunidade no mercado de trabalho.
Foi aprovada ainda uma cota de 10% para negros nas candidaturas a vagas da Câmara dos Deputados, Assembleias Estaduais e Câmara de Vereadores . O deputado Damião Feliciano (PDT-PB) disse que se aprovou um “estatuto desidratado”, que recua sobre pontos “superados”. Vanda Pinedo, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado, também defende um texto com mais obrigatoriedades. “Se continuar retalhado como vem sendo, vai acabar como uma mera intenção.” Os trechos mais criticados foram retirados aos poucos, após meses de embate, na Câmara, com a oposição, que disse ter tirado todos os pontos com os quais não concordava.
“Saiu o germe da racialização, disse o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), principal articulador das alterações. Do mesmo partido, o deputado Indio da Costa (RJ) afirmou que o texto original poderia criar ” uma espécie de MST negro”, referindo-se à definição sobre as terras quilombolas, muito criticada pelos ruralistas. Marinalva dos Santos, presidente da federação brasiliense e entorno de umbanda e candomblé, ressalta a garantia de assistência religiosa a presos de religiões de matrizes africanas, prevista na proposta. O projeto será encaminhado agora ao Senado para nova análise. A intenção é que ele seja aprovado nos próximos meses e sancionado pelo presidente Lula em 20 de novembro, dia nacional da consciência negra.
Johanna Nublat
Folha de S. Paulo