Novo relatório de sociedades científicas vê erros em atual projeto, mas debate no Congresso está mantido
Pesquisadores aceitam necessidade de maior produção agrícola, mas defendem aumento de eficiência no campo

CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA

As principais entidades científicas do país pediram ontem que o governo adie a votação da reforma no Código Florestal e passe os próximos dois anos em um “diálogo com a sociedade” sobre a melhor forma de mudar a lei.
Enquanto isso, a execução do decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais, e que multará a partir de junho quem desmatou além do permitido hoje, seria adiada.
Representantes da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e da ABC (Academia Brasileira de Ciências) disseram ontem que propostas do texto do deputado Aldo Rebelo, como a redução das áreas de mata em algumas margens de rio de 30 m para 15 m, não se sustentam cientificamente.
Eles lançaram em Brasília seu aguardado relatório sobre as bases científicas da legislação florestal.
O livro “O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o Diálogo” é produto da revisão de 300 artigos científicos sobre agricultura, biodiversidade, solos e clima.
Redigido por 12 pesquisadores de instituições como Embrapa, USP, Inpe e Unicamp, é a avaliação mais completa feita no Brasil sobre o tema até agora.
Ela chega tarde, num momento em que o governo já decidiu que o debate sobre o código será encerrado neste semestre. A presidente da SBPC, Helena Nader, culpa o rigor do processo de revisão científica pela demora.
Os cientistas reconhecem que a lei florestal precisa ser atualizada e que existe necessidade de expansão da agropecuária. “É preciso dobrar ou triplicar a produção agropecuária no mundo, e o Brasil vai ser um dos grandes responsáveis por isso”, disse Elíbio Rech, da Embrapa, representante da ABC.
O texto, porém, faz crítica à redução das chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs). “Os estudos não suportam [a diminuição das APPs], é diferente de os cientistas serem contra”, disse Antônio Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Segundo o relatório, a proteção que a lei atual confere às APPs já é insuficiente.

RADAR DE BREJO
O documento da SBPC e da ABC traz também novidades sobre as APPs. Estimou pela primeira vez quanto das áreas privadas está coberto por essas matas nativas: o valor é 7%, e não 23% como estudos anteriores estimaram.
A questão das APPs é uma das mais sensíveis porque, se a lei atual fosse seguida ao pé da letra, áreas usadas para o plantio de café ou de uva há décadas, em topos de morros, teriam de ser abandonadas, o que leva os ruralistas a pedir mais flexibilidade.
Os cientistas defendem mais eficiência, e não o uso de mais terras. Somente retornando a produtividade da pecuária aos níveis da década de 1940 (2,56 cabeças por hectare, contra 0,93 hoje) seria possível liberar uma grande área para a agricultura.
Os pesquisadores também usaram pela primeira vez imagens de radar combinadas a modelos matemáticos para definir, em regiões-piloto, as áreas com aptidão para uso agrícola e as áreas frágeis, que precisariam ser preservadas, como brejos.
Segundo Nobre, aplicar esse tipo de tecnologia elimina arbitrariedades legais no código. Porém, fazer isso para todo o Brasil exigiria um prazo incompatível com a agenda de votação do código no plenário da Câmara.
O presidente da Câmara, Marco Maia, disse ontem que está mantida a data de votação do texto de Rebelo nos dias 3 e 4. “É praticamente consensual.” Rebelo já afirmou que vai receber o documento dos cientistas e “confrontar a pesquisa com outras opiniões” antes da votação.

Com LARISSA GUIMARÃES, de Brasília

Fonte: Folha de São Paulo