SÉRGIO RANGEL
ENVIADO ESPECIAL A CUIABÁ

Dois operários foram condenados por tráfico de drogas. O terceiro foi sentenciado três vezes por assaltos. Já o quarto cumpriu sete anos de prisão por ter estuprado a própria filha. Os quatro fazem parte da primeira turma que deixou os presídios de Cuiabá (MT) para trabalhar nas obras da Copa de 2014.
Desde agosto, oito detentos, que cumprem pena em regime semiaberto ou em prisão domiciliar, ajudam a erguer a Arena Pantanal. O governo local já prepara um novo grupo para entrar na obra no final deste semestre.
Criado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o programa “Começar de Novo” pretende colocar cerca de mil presos trabalhando nos próximos três anos nas 12 cidades do Mundial brasileiro.
“Espero engrenar na vida agora”, diz o paraense Cleber Leonel Leite, 31, fazendo anotações numa prancheta debaixo de um sol de quase 40C, na quarta de manhã, enquanto uma imensa perfuradora trabalhava no solo encharcado do futuro estádio.
Leite foi preso em 2009 nos arredores de Cuiabá com 80 kg de maconha. Levaria, de ônibus, a droga da Bolívia para Porto Velho (RO).
Salvador, Belo Horizonte e Brasília também já preparam as primeiras turmas de detentos -no DF, os três primeiros presos começam os trabalhos daqui a três dias.
Assim como as obras da Copa estão demorando a deslanchar na maioria das sedes, o programa do CNJ ainda está em ritmo lento.
Na quinta-feira, o conselho fará uma reunião com representantes dos tribunais de Justiça dos 12 Estados para cobrar que o projeto decole.
São Paulo e Rio nem começaram a capacitar os presos.
“Estou gostando muito.
Quero crescer aqui e mudar de setor em breve. Além disso, o trabalho ajuda a diminuir a minha pena”, disse Adeilton Santos Silva, 28, enquanto trabalhava na construção de um muro que vai cercar a Arena Pantanal.
Os condenados têm direito a um dia de redução da pena para cada três dias de trabalho. Também recebem salário mínimo, auxílio-transporte e vale-alimentação. Silva foi detido pela última vez em 2004, ao roubar uma caminhonete na divisa com a Bolívia. Ele já tinha sido preso duas vezes por assaltos. A pena a ser cumprida pelos três crimes é de 14 anos.
Pelo programa do CNJ, 5% dos operários envolvidos nas obras da Copa virão de presídios. Até agora, 200 operários trabalham na arena de Mato Grosso. No segundo semestre, quase mil trabalhadores entrarão no canteiro -50 deles serão apenados.
Na obra, eles evitam falar sobre o passado, mas todos sabem das condenações dos oito colegas de trabalho.
Mais velho do grupo, Adilson Silva, 58, é o único que tenta esconder o crime que o levou ao presídio. Ele diz que foi preso após matar um homem com uma faca durante uma briga dentro de um bar há cerca de seis anos. Na realidade, foi condenado a dez anos de prisão por ter estuprado a própria filha.
“Naquela época, eu vivia bêbado e fiz muitas loucuras com a ajuda do álcool.
Aprendi na cadeia que não podemos permanecer no erro. Eu sou um homem de bem novamente e quero voltar a conviver junto com a sociedade”, afirmou o detento.
Um dos responsáveis por autorizar os presos a trabalharem na obra da arena, o juiz Adilson Polegato de Freitas defendeu o programa.
“Temos que dar chance às pessoas. Alguns podem criticar dizendo que um estuprador está trabalhando na obra da Copa do Mundo. É fácil falar de fora, mas esse homem já ficou sete anos preso e merece uma oportunidade.”

fonte: Folha de SP