Não há nada melhor que ser explorador de poltrona, especialmente quando se trata da Amazônia. Não ter de enfrentar aquele calor insuportável, o risco de leishmaniose, de malária ou de febre amarela. Chuva o tempo todo; “floresta pluvial”, é como se diz em inglês. Mosquitos e aranhas e cobras e uma quantidade inesgotável de besouros. Onças. Piranhas e jacarés. E, tempos atrás, índios com variados graus de atitudes violentas em relação a exploradores.

Sentar-se na poltrona com o livro “Grandes Expedições à Amazônia Brasileira 1500-1930”, de João Meirelles Filho, deixa você arrepiado quando começa a pensar nos riscos que os europeus e seus descendentes passaram nos cinco séculos de exploração da região. Mas obviamente o principal objeto da obra não é assustar os exploradores de poltrona. Trata-se de, através da descrição de 42 viagens de exploração, montar um representativo painel da história dessa região.

A lista de exploradores inclui um pouco de tudo. Há navegadores, militares, jesuítas, pastores protestantes, artistas, naturalistas, plebeus e aristocratas -e até um ex-presidente americano. Espanhóis, portugueses, luso-brasileiros, franceses, alemães, austríacos, britânicos, russos; parece que cada pedaço da Europa em dado momento esteve bisbilhotando a maior floresta tropical do planeta e seu rio mais caudaloso.

O autor é um ambientalista paulista, atualmente radicado em Belém. O que impressiona no livro é a variedade da pesquisa que ele teve de fazer para produzir os relatos. Não é o mero caso de “quantidade” na bibliografia; para narrar viagens de pessoas tão diferentes foi necessário consultar obras em praticamente todo o campo do conhecimento humano.

É preciso entender a geografia do rio e da floresta, a história da colonização, a arqueologia, a etnografia, a zoologia e a botânica da maior biodiversidade do planeta. Meirelles Filho teve de ir atrás de obras bem diversas para explicar as 42 expedições.

Mas o que impressiona ainda mais é descobrir que essa é apenas a ponta do iceberg -ou, em uma comparação mais adequada, apenas a copa da árvore. No final do livro, há uma “breve lista de 567 viagens à Amazônia continental” entre 1500 e 1930!

O autor é de um didatismo louvável ao descrever cada viagem, ou cada série de viagens. Ele sempre mostra o “contexto” da exploração, assim como descreve quem era seu líder; diz qual foi o percurso e cita quais obras constituem narrativas da expedição; e termina, corajosamente, dando sua interpretação sobre quais foram as “principais contribuições”.

De um autor ambientalista e que trabalha na criação de projetos de sustentabilidade na Amazônia, seria de se esperar que abusasse do politicamente correto. Este “pré-conceito” não é válido, felizmente. Meirelles Filho tem interpretações sensatas de fenômenos, como o bandeirismo, que costumam provocar polêmica e dividem as opiniões -os bandeirantes ou eram heróis que alargaram as fronteiras da pátria, ou eram bárbaros matadores de índios. Ele obviamente deplora a devastação causada pelos europeus, mas explica o ocorrido sem anacronismos.

Por exemplo, quando fala das contribuições da bandeira de Raposo Tavares, ele primeiro lembra que a primeira delas foi alargar o território português na América. “Destarte, importa avaliar adequadamente o legado de um Raposo Tavares ou de um André Fernandes, que não deixam de constituir-se em bandos de mercenários, que, no entanto, servirão ao propósito da coroa portuguesa de expansão e domínio territorial assim como os piratas-espiões ingleses, como Walter Raleigh, o fizeram nos albores da colonização da América”, escreveu.

Rondon e Roosevelt
Há gente bem menos polêmica. Um deles é Cândido Mariano da Silva Rondon, o único brasileiro homenageado no nome de um Estado, Rondônia. O marechal Rondon fez tantas viagens à Amazônia e a Mato Grosso que o autor não teria como descrever todas, mas sim os “ciclos” de expedições. Em uma delas acompanhou o ex-presidente americano Theodore Roosevelt, cujo nome foi dado por Rondon ao então “rio da Dúvida”, pois era pouco conhecido. Defensor dos índios e construtor de linhas telegráficas, foi um dos que mais fizeram para iniciar a integração da região amazônica ao país.

Rondon merece admiração por procurar trabalhar para melhorar a vida de índios e ribeirinhos. Não fosse por essa dedicação, “creio que não me teria entregue, de corpo e alma, à ingente luta para vencer o cansaço de longuíssimas viagens a pé, a cavalo, em canoa, debaixo de aguaceiros diluvianos”, declarou o marechal, que também fala de estar “mal alimentado e, às vezes, sem alimento, com sede, tremendo de frio e de febre, a palmilhar léguas e léguas, carregando minha bagagem, dormindo mal, ao relento e às intempéries. E pior do que tudo isso, sofrendo a ausência do lar”.

Realmente, nada melhor que ser explorador de poltrona.

Folha de São Paulo