A PERSPECTIVA de um acordo internacional para combater o aquecimento global tornou-se ainda mais incerta. Com a anunciada saída do diplomata holandês Yvo de Boer da Secretaria Executiva da Convenção do Clima das Nações Unidas, o processo de negociação perdeu um de seus líderes mais dinâmicos.

Em paralelo, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) vem sendo acusado de cometer erros e não dar transparência à sua apuração nem voz a seus críticos -o que levou a ONU a anunciar um órgão independente para revisar os procedimentos.

A desistência de De Boer sugere que o percurso até um tratado para substituir o Protocolo de Kyoto será mais acidentado do que o fiasco de Copenhague deixava prever. A próxima conferência será em dezembro, no México. Em entrevista à Folha, na semana passada, o holandês fulminou a expectativa de que se firme no encontro um acordo com força de lei internacional.

“Minha ambição foi que Copenhague adotasse a arquitetura necessária para uma resposta de longo prazo à mudança climática e que um ano mais tarde, no México, ou talvez antes, isso fosse se tornando um instrumento legalmente vinculante”, disse De Boer. “Nesse sentido, acho que foi um retrocesso de um ano.”

De Copenhague para cá, o contexto para um acordo só fez deteriorar-se. Países-chave encontram dificuldades crescentes, no âmbito interno, para avançar.

O presidente Barack Obama, que tirou os EUA do imobilismo nessa matéria, vê sua popularidade erodir-se. Não deve dar passo algum, perto das eleições legislativas de novembro, em tema que republicanos possam explorar como ameaça à economia e aos empregos americanos.

A China, que disputa com os EUA o posto de maior emissor mundial de gases do aquecimento global, parece mais preocupada com sintomas inflacionários do que com os danos ambientais provocados por seu crescimento. E a União Europeia, que já liderou os esforços, mas teve papel decepcionante na Dinamarca, parece só ter olhos para a crise de solvência em sua periferia.

A acumulação na atmosfera de gases agravadores do efeito estufa não conhece trégua. Mesmo com a adoção dos cortes de emissões aventados em Copenhague, calcula-se que a temperatura média poderá subir 3,5C neste século, 75% acima do nível estimado como seguro (2C).

O demissionário De Boer vê contudo razões para conter o pessimismo. Lembra que a agenda climática ultrapassou os muros das repartições governamentais para chegar ao setor privado e às preocupações geopolíticas.

Trata-se, hoje, de tema conectado com mercado, segurança estratégica (dependência de petróleo em regiões instáveis) e eficiência energética. A quantidade relativa de carbono emitida por empresas ou países se torna a cada dia um indicador mais aceito de eficácia e competitividade.

Folha de São Paulo