Na América Latina, a crise atinge a maioria das democracias da região no contrapé de um lento e inconcluso processo de consolidação.

Desse modo, ela tende a ressuscitar alguns vícios antidemocráticos ainda latentes em nosso continente, como o golpismo e o populismo, que é incapaz de construir democracias modernas sustentadas por instituições independentes.

O recente golpe de Estado ocorrido em Honduras é lembrete amargo da fragilidade de muitas democracias da região. Anacrônico e injustificável, esse golpe é uma afronta clara aos mais elementares princípios democráticos e torna Honduras passível de ser submetida às sanções inscritas no Artigo 19 da Carta Democrática Interamericana, o qual prevê a suspensão de país que quebrar a ordem democrática de todo o sistema da OEA. Em moção aprovada no Senado, proponho que essa cláusula democrática seja aplicada com urgência.

Mas as ameaças à democracia não se consubstanciam apenas em golpes de Estado. O populismo, ao criar uma relação direta entre o povo e os líderes e desprezar os aspectos “formais” da democracia, tende a fragilizar Legislativo, Judiciário e outras instituições democráticas, bem como os partidos políticos.

Em anos recentes, regimes populistas latino-americanos de diferentes matizes ideológicos vêm exibindo também um fenômeno autoritário que fragiliza a democracia na região. Trata-se da síndrome do prolongamento dos mandatos. Ubíqua e perigosa, tal síndrome colide com o princípio da alternância do poder, oxigênio de todo regime autenticamente democrático.

Com a crise, essas tentações autoritárias tendem a avultar-se, como forma de dar respostas rápidas, ainda que equivocadas, ao mal-estar social. Porém, há países que escapam dessas tentações. O Brasil é um deles. Lula, que tem 80% de aprovação popular, poderia ser presa fácil da síndrome do prolongamento dos mandatos, algo já acontecido no país. Preferiu, no entanto, o caminho correto da alternância no poder.

O Brasil entendeu que a construção de uma democracia moderna é tarefa árdua, que demanda compromissos de longo prazo com o fortalecimento das instituições, a inclusão socioeconômica, o desenvolvimento sustentado, a educação universal de qualidade e a independência do Legislativo e do Judiciário.

É uma estrada longa e difícil, mas é a única consistente. Assim, o Brasil é atualmente um país capaz de resistir bem às crises e aos seus efeitos políticos negativos.

A combinação de economia sólida, políticas consistentes de distribuição de renda, presença marcante no cenário mundial e consolidação crescente das instituições democráticas nos diferencia em nosso entorno. A metáfora de Mangabeira já parece imagem do passado.Lula preferiu o caminho correto da alternância no poder.

Aloizio Mercadante