Representando o Consórcio Energia Sustentável do Brasil S.A., vencedor da licitação para a construção da Hidrelétrica de Jirau, o Eng. Édio da Luz apresentou a palestra “Sustentabilidade no Projeto da Hidrelétrica de Jirau”.

Sustentabilidade
O conceito de sustentabilidade é relativamente novo. Ele começou a ser construído a partir de 1972, em Estocolmo, quando houve a primeira conferência que começou despertar a consciência mundial para a questão ambiental. A partir daquele ano os temas relativos ao meio ambiente passaram a ter maior importância sob o ponto de vista do desenvolvimento e, mais ainda, despertando questionamentos sobre a forma como esse desenvolvimento acontecia.

Eu tive oportunidade de conhecer a Costa Rica em um passado recente, e fiquei realmente surpreendido pela forma como, conceitualmente, se estabeleceu naquele país a dimensão da sustentabilidade como fator de desenvolvimento, incorporando o conhecimento, o ambiente natural, aos seus propósitos econômicos e sociais. Quero deixar o meu testemunho aqui, diante do representante daquele país que nos brindou com uma excelente exposição sobre os avanços lá obtidos no campo da sustentabilidade, que realmente serve de exemplo para o mundo.

Quero ressaltar que todos nós praticamos, ainda que inconscientemente, alguma forma de sustentabilidade. Vamos analisar, por exemplo, um fato muito comum aqui na região de Rondônia. Um pecuarista quando vai colocar boi no pasto, ele sabe exatamente quantos bois ele deve colocar, de modo que esse rebanho se alimente, engorde, e no final ele ganhe algum dinheiro vendendo boi gordo. Ele sabe que se ele colocar boi demais na mesma área de pasto, provavelmente esse gado morra de fome. Quer dizer, de uma forma empírica ele sabe exatamente quantos bois ele pode colocar naquele pasto, por hectare, para poder ter lucro com a sua atividade. Nesse exemplo, a dimensão da sustentabilidade daquele pecuarista está atrelada a lucratividade do seu negócio. E é assim que isso funciona nas demais atividades individuais. Nós praticamos a sustentabilidade na dimensão dos nossos ganhos.
Desde que eu esteja ciente de que não aconteça nada de mal prá mim eu posso me apropriar do recurso natural e com isso ganhar mais dinheiro e viver mais confortavelmente. Individualmente isso é feito sem problemas, mas no coletivo isso é uma tragédia. Quando ampliamos essa prática para o conjunto da sociedade a concepção se altera, porque aí entra o conceito de “pegada ecológica”.

O que significa isso? Isso quer dizer que você precisa de uma determinada área do Planeta para poder sobreviver com um nível razoável de dignidade. Então, nós somos na Terra seis bilhões de habitantes. Se você dividir a área disponível no mundo para o desenvolvimento de todas as atividades econômicas de cultivo e produção, chegará ao numero médio de 2.500 hectares por habitante. Essa seria a área necessária para suprir, individualmente, as demandas por uma qualidade de vida razoável.
Mas o que é que ocorre atualmente? Se você pegar, por exemplo, os grandes países capitalistas como os Estados Unidos, cada habitante desse país precisa de, no mínimo, 9.500 hectares para poder viver naquelas condições de apropriação dos recursos naturais. E como ele não tem essa área, ele está se apropriando do que falta em outros continentes. Para se ter um parâmetro de como esse quadro é desigual no mundo, basta citar que a pegada ecológica dos africanos está na média de 1.500 hectares, a dos brasileiros está próxima dos 2.500 hectares e a dos europeus na faixa dos 7.500 hectares!
Voltando ao conhecimento empírico que os povos mais antigos tinham da sustentabilidade, temos outro exemplo na Amazônia com relação à exploração do látex. O seringueiro sabe que se ele sangrar uma seringueira querendo se apropriar do látex numa freqüência maior do que aquela que a árvore é capaz de produzir, ele vai secar a seringueira. E ao secar a seringueira, ele seca a receita dele. Dessa forma, intuitivamente, ele acaba se utilizando do recurso natural disponível, tirando sempre no limite do que ele precisa. Se ele resolver tirar mais do que ele precisa só para botar dinheiro no bolso ou para querer aumentar seus níveis de conforto e consumo, ele sabe que não vai ter seringueira suficiente.

Os americanos, no início do século, resolveram fazer uma cidade no Pará, próxima a Belterra, chamada Fordlândia, para a produção industrial de borracha que, à época, possuía preço e demanda cada vez maiores. Plantaram uma floresta maciça de seringueiras, um grande seringal, sem a necessária interface com a floresta nativa da Amazônia. Não deu certo. Por quê? Por que no momento que você faz um plantio maciço de seringueiras para retirar, numa escala industrial o látex, a própria natureza não permite. Então surgiu uma praga e as seringueiras todas morreram. Os americanos retornaram para o seu país e ficou lá hoje uma cidade toda instalada, como os ingleses fizeram aqui no início, com o Projeto Madeira, que também não deu certo.
A lição que fica de tudo isso é que o conhecimento específico da natureza, o conhecimento da região, o conhecimento da Amazônia é fundamental para o êxito de qualquer projeto de grande vulto na região.

Só para comparar: Lembram do que aconteceu na década de 80, aqui no rio Madeira, onde tinham mais de 25 mil dragas, com quatro a seis pessoas por draga, tirando ouro do rio Madeira? Isso dá mais de cem mil garimpeiros trabalhando dentro do rio, sem nenhum controle sanitário, porque o governo virou às costas e a sociedade não estava nem aí. Aquilo não era realmente uma atividade de extração de um recurso natural em benefício da melhoria de vida das pessoas que ali estavam, porque na verdade não melhorou, salvo um ou outro, mas o certo é que esse ouro não ficou aqui.  Agora, nós estamos falando de dois projetos vão mobilizar de 10 a 15 mil trabalhadores, todos devidamente treinados e registrados, dentro de um ambiente com responsabilidade civil e alto nível de organização e controle.  As empresas que estão envolvidas nesses dois projetos são empresas sérias, não estão aqui com o objetivo de explorar os recursos naturais sem benefício coletivo. Já foi dito aqui que as empresas estão contratando, treinando e qualificando mão de obra local. E quando esses dois projetos terminarem, se todo esse contingente de trabalhadores não tiverem se apropriado de nenhum bem, de nenhuma economia, não tiverem melhorado em nada sua qualidade de vida, eles pelo menos terão crescido num único aspecto: na cidadania. Essas pessoas não serão mais as mesmas após essa obra, porque elas aprenderam uma profissão, elas aprenderam que têm direitos, aprenderam que devem ser respeitadas e tratadas pelos futuros patrões, diferentemente do modo como foram tratadas até agora.

Então eu acho que é dentro dessa linha que a gente tem que vê o conceito de sustentabilidade.  Sustentabilidade é comportamento. É seriedade na conduta. É responsabilidade sobre o meio ambiente.  Principalmente quando esse meio ambiente não sofreu ainda os impactos da presença humana.

Energia Elétrica
A energia elétrica tornou-se um bem fundamental para o homem, seja na cidade ou no campo. Ela nos dá conforto. Dá-nos qualidade de vida. Mas nós só temos a real consciência da importância da energia quando esse bem nos falta, porque ninguém gosta de ficar no escuro. Quer dizer, de uma forma ou de outra as pessoas querem o conforto. Mas para existir esse conforto tem que gerar energia. E como essa energia vai ser gerada? Térmica? Eólica? Hidráulica? Todas essas formas de geração estão disponíveis. Mas no momento a nossa economia nos permite pagar a mais barata possível. E dentro desse contexto, a energia elétrica de geração hidráulica ainda é a mais barata. Então nós temos de definir como nos apropriar desse recurso natural da maneira mais sustentável possível.
Um dado importante é que, a hidreletricidade responde por 80% de toda a eletricidade produzida no Brasil. Mas o potencial brasileiro ainda é pouco explorado.
Para construir uma hidrelétrica temos que barrar um rio, provocando impactos ambientais e ganhos que a sociedade vai avaliar. A decisão de construir essa hidrelétrica é uma decisão de governo. Nenhum dos empreendedores, nem a MESA nem a ESBR vão construir as hidrelétricas por vontade própria. Elas estão aqui na condição de concessionárias.

As vantagens da geração hidrelétrica é ser uma fonte de energia limpa e renovável. Portanto atrativa e necessária para o crescimento do País e para a inclusão social pela ampliação do acesso à energia elétrica. Também confere independência de combustíveis fósseis, o que reduz o volume de emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global. Mas tem a desvantagem de criar situações adversas como a remoção de florestas e algumas espécies animais, alagamento de áreas agricultáveis e remanejamento de populações. Isso faz com o que os projetos sejam vistos com reserva por alguns grupos da sociedade. Não é segredo prá ninguém que para se construir uma hidrelétrica tem se que remover as pessoas que viviam, plantavam ou desenvolviam alguma atividade na área. Essas pessoas têm que ser realocadas.

O grande desafio, então, é implantar os projetos com foco nas melhores práticas voltadas à incorporação de princípios de Desenvolvimento Sustentável ou de Sustentabilidade. Por isso é importante discutir com a comunidade e identificar quais são as suas demandas e de que forma isso deve acontecer. Só assim você consegue estruturar o seu projeto dentro de uma visão de sustentabilidade.

Da discussão com a comunidade vai brotar o perfil do tipo de projeto que você tem que desenvolver: se essa realocação vai ser feita através de um remanejamento com assentamento rural, como é que esse assentamento rural vai ser feito, qual é a habilidade desse pessoal, sua vocação profissional, se é agricultor ou se não é… Enfim, você tem que abrir esse diálogo com a comunidade e discutir as demandas e alternativas em audiências públicas. Desse modo, as ações durante as fases de implantação e operação podem promover o desenvolvimento local e regional, melhorando a qualidade de vida da população, gerando trabalho e renda e outras vantagens para a região.
O diálogo com a comunidade é importante, mas é necessária a consciência de que esse é um fórum onde é impossível a unanimidade. Mas a franca disposição de conversar e debater é fundamental.

Hidrelétrica de Jirau
No caso da Hidrelétrica de Jirau, a ESBR desenvolveu seu projeto de construção, sob a ótica da sustentabilidade, com base nos seguintes preceitos:
•     “Atender às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” Comissão de Brundtland (1987).
•    Associação Internacional de Energia Elétrica: “é resultado da responsabilidade social, das melhores práticas do negócio e da boa gestão dos recursos naturais”
•    Proteger e gerir os recursos naturais ao mesmo tempo em que se promove o desenvolvimento social e econômico
•    E a exploração racional dos recursos naturais, com respeito aos direitos humanos e a necessidade de prosperidade econômica.

Com base nesses preceitos, aplicados mundialmente ao setor elétrico, e que demonstra a dimensão ecológica e da solidariedade inter geracional, a ESBR definiu que para esse empreendimento ser sustentável, ele deve: atender de modo equilibrado as demandas econômicas, sociais e ambientais ligadas a implantação da UHE Jirau; assegurar o suprimento de energia elétrica e reduzir o uso de combustíveis fósseis, contribuindo de forma positiva para a sociedade e para o planeta; atender as expectativas das diferentes partes interessadas do empreendimento (acionistas, órgãos governamentais, comunidades, funcionários etc.); e agir de forma ética e transparente, ter metas compatíveis com o desenvolvimento sustentável, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, promovendo a redução das desigualdades sociais.

Isso significa dizer o seguinte: nas décadas de 70 e 80, o grande investidor do setor elétrico era o governo. Não havia capital privado. Vamos imaginar, então, se o próprio governo fosse construir essas duas hidrelétricas no rio Madeira. O que aconteceria? Como quase 80 por cento das terras que eu tive oportunidade de avaliar aqui não têm titulo de propriedade, registro em cartório, são apenas posse, um passando para o outro em simples recibos de compra e venda, o governo ia chegar e dizer: olha sai da terra, essa terra é minha, só vou te indenizar a benfeitoria, porque todo o solo pertence à União.  Quer dizer, quando o governo faz o projeto, ele só pode comprar terra se o dono da propriedade apresentar o título definitivo com registro em cartório. Se ele não apresentar o documento ele é convidado a sair da área, com direito de receber apenas a indenização pelas benfeitorias feitas. Essa atitude do governo, correta sob o ponto de vista legal, mas injusta sob o ponto de vista da sustentabilidade, é a grande responsável pelo enorme passivo social que existe por causa das hidrelétricas no Brasil.

Mas agora a situação é diferente. Como os investidores são privados, a realocação de pessoas é feita sob critérios mais justos, do ponto de vista social. No nosso projeto, se qualquer cidadão tem a posse da terra, pacífica e mansa, sem contestação, prá nós ele é tratado como um proprietário, um titular. E ele recebe pelo valor das terras dele, com base numa avaliação criteriosa, e pelo valor das benfeitorias. Dessa forma ele vai poder recompor e repor o patrimônio dele, tanto do solo como das benfeitorias, num local ao desejo dele, porque a negociação e o pagamento são feitos em caráter amigável, o que o governo não poderia, por força de lei, porque ele já é o dono da terra.

A privatização desses investimentos, portanto, foi um salto muito importante na estratégia de solução das demandas sociais. Isso não quer dizer que os investidores são bonzinhos, porque não existe bondade nisso, o que existe é um projeto que vai render receita, que vai dar retorno pro investidor, e isso não pode, sob o ponto de vista sustentável, expropriar e deslocas as pessoas de seus bens sem uma justa indenização, sob pena de sofrer sanções de ordem legal.
Prá finalizar, eu quero mostrar prá vocês, o que a ESBR fez e está fazendo para garantir a sustentabilidade do projeto da Hidrelétrica de Jirau, em termos sociais.

Primeiro, vejam aqui o retorno em pagamento de royalties sobre o total da energia gerada:
Todos esses recursos entram direto nos caixas do estado e da prefeitura. São recursos sem contingenciamentos que a ANEEL repassa diretamente. Cabe à sociedade organizada fiscalizar esse dinheiro e cobrar das autoridades sua aplicação onde a comunidade mais precisa.
Quero mostrar outro ponto que surgiu quando começou a ser discutida a questão do crédito de carbono, onde registramos uma receita apropriada por volta de 100 milhões de reais. Esse crédito decorre do fato da geração hidrelétrica de energia ser menos poluente que a produzida por meio de combustíveis fósseis. Vejam o gráfico:

Agora, um aspecto interessante do Projeto Jirau, é uma idéia conceitual que nós desenvolvemos: o Pólo de Desenvolvimento Econômico e Social. Como a atual área urbana de Mutum-Paraná vai ser inundada pelo reservatório, nós vamos construir uma nova cidade para onde sua atual população vai ser realocada. Serão construídas 331 casas para os atingidos que quiserem ir para o novo pólo, com terreno de 800 m², com 2 ou 3 quartos, varanda, banheiro, cozinha, com aquecimento solar.

Paralelamente, nós vamos construir mais 1300 casas, com terreno de 400 m², para os supervisores e engenheiros que irão trabalhar na construção da usina. No final da obra, no mínimo 600 dessas 1300 casas serão doadas para a comunidade.

Esta nova cidade será aberta, ecologicamente correta, e vai contar com Escolas de 1º e 2º grau; creche pré-escolar; sistema de coleta e tratamento de esgoto; sistema de tratamento e distribuição de água; coleta seletiva e tratamento de resíduos sólidos; Rede pública de energia e internet; rede de telefonia fixa e móvel; drenagem urbana e ruas pavimentadas, enfim toda a infra-estrutura de uma cidade normal do seu porte.

Não é aquele conceito antigo que vocês conheceram aqui da Eletronorte quando fez Samuel, que fez uma vila, colocou um muro em volta e fez uma ilha. O mesmo foi feito em Tucuruí onde fizeram uma vila com quase 3.000 casas confortáveis, com o clube do engenheiro, a piscina do engenheiro, a piscina dos encarregados, o clube dos encarregados, e o povo de Tucuruí do lado de fora, sem poder usufruir nada daquilo. Hoje não se aceita mais, dentro do conceito de um empreendimento moderno, fazer essa distinção entre a sociedade que está construindo a obra e a sociedade de onde a obra está sendo construída.

Então vamos criar uma cidade aberta onde, após a conclusão da obra, ela tenha sustentabilidade. A idéia conceitual é que ela crie os seus próprios mecanismos de desenvolvimento, de forma que não viva só em função da obra, mas em função de suas próprias demandas. Então nela, você vai encontrar também: área de expansão para instalação de pequenas indústrias e geração de renda local; áreas verdes e equipamentos poli esportivos; terminal rodoviário; apoio para implantação de serviços bancários; unidade de Correios e posto de saúde.

Para fomentar essas iniciativas empreendedoras, foi criado um Fundo de sustentabilidade de longo prazo, com valor global de 30 milhões de reais, sendo R$ 10 milhões da ESBR, R$ 10 milhões do BNDES e R$ 10 milhões  do Governo. Esse fundo vai incentivar a criação de novas pequenas empresas, dando condições para o desenvolvimento de novos empreendedores; realizar empréstimos para capital de giro (banco do povo); realizar cursos de qualificação empresarial; desenvolver parcerias com SEBRAE/SENAI/SESC para qualificação de empreendedores para serviços; financiar a instalação de micro indústrias para atendimento do mercado local; e desenvolver oportunidades de mercado considerando as demandas do Projeto Jirau.

Revista Ecoturismo