Dr. Pedro Leon Azofeifa desenvolveu o a palestra – tema “A paz como instrumento para a sustentabilidade mundial”, com base na experiência exitosa do seu país, a Costa Rica, ao lançar, em 2007, a Iniciativa Paz com La Naturaleza, arrojado projeto elaborado e em execução pelo presidente Oscar Arias Sanchez, detentor de um Prêmio Nobel da Paz.

Pedro Leon Azofeifa iniciou sua exposição, fazendo uma análise comparativa das semelhanças entre o seu país e o Brasil. Depois abordou os aspectos históricos e geográficos da Costa Rica, até centrar-se na questão ambiental.

Um pouco de história e geografia
Além de possuir uma antiga tradição democrática, pacifista e de respeito pelos direitos humanos, a Costa Rica tem sido reconhecida internacionalmente por suas ações pioneiras em respeito ao meio ambiente. O país obteve êxitos no campo político e social de suma importância como a implantação da educação gratuita e obrigatória desde 1869, a abolição da pena de morte desde 1871, a introdução das garantias sociais na Constituição Política desde 1943, a abolição do exército desde 1948, o sufrágio universal desde 1949, e o papel de liderança que assumiu em prol da pacificação da América Central que culminou com os Acordos de Paz de Esquipulas e o Prêmio Nobel do presidente Arias em 1987. A estabilidade e o amadurecimento político alcançados permitiram ao país estabelecer entre suas prioridades uma necessidade que em outras circunstâncias lhe seria secundária: a conservação e o uso sustentado da natureza.
Ponte natural entre a América do Norte e a América do Sul, ainda que geograficamente só represente 0,01% da superfície terrestre do planeta, a Costa Rica abriga cerca de 4% da biodiversidade mundial. Estabeleceu um sistema de áreas protegidas que cobre atualmente 26% de sua superfície continental.

Além disso, possui 11 zonas úmidas de importância internacional (sítios Ramsar), duas reservas da biosfera e três sítios declarados como patrimônio mundial.
A Costa Rica logrou estabelecer-se internacionalmente como destino turístico, atividade que é hoje a principal fonte de divisas, com um alto posicionamento no mercado internacional, baseado em suas áreas protegidas, sua biodiversidade e sua beleza cênica. Mais que um insumo para a produção, os recursos naturais que o país tem protegido se transformaram em capital produtivo ao consolidarem-se como atrativos da mais alta hierarquia na oferta turística costarriquense.

A criação de áreas protegidas, hoje parte do Sistema Nacional de Áreas de Conservação (SINAC), obedeceu à decisão de alguns visionários ante a destruição massiva de nossas florestas que alcançou níveis exorbitantes desde os anos de 1960 até meados dos anos 80. Nessa época, a Costa Rica alcançou a vergonhosa distinção de possuir uma das mais altas taxas de deflorestação do mundo.  Com o apoio estatal à criação das áreas protegidas, nos anos de 1970, teve início uma mudança radical na visão de mundo de nossos antecessores, que estavam convencidos da imutabilidade da natureza e de que esta era inesgotável.

Ante a troca do uso do solo para atividades agropecuárias e a derrubada de árvores para fins comerciais – as principais causas históricas da deflorestação no país – estabeleceu-se, com a força da lei, medidas de proteção fora das áreas protegidas estatais, tais como a proibição da troca do uso do solo florestal e a adoção obrigatória de um plano de manejo para aproveitamento do bosque. Desde 1996 a legislação vigente reconhece o papel fundamental que os bosques representam como provedores de bens e serviços ambientais à sociedade, tais como mitigação dos gases de efeito estufa, e proteção dos recursos hídricos, da biodiversidade, dos ecossistemas e da beleza cênica natural. Sobre esta base se estabeleceu o “Sistema de Pago por Servicios Ambientales”, por meio do qual se recompensa economicamente os proprietários de bosques e terrenos florestais que executem projetos de conservação, regeneração natural e reflorestamento.

Nesse mesmo ano, em respeito ao princípio “contaminador-pagador”, se estabeleceu um imposto ao consumo de combustíveis para internalizar os custos provocados pelas emissões de gases do efeito estufa e  destinar os recursos arrecadados a compensar estas emissões mediante projetos de reflorestamento, conservação e regeneração natural dos bosques, através do programa  de “Pago por Servicios Ambientales”.

Outra importante conquista ambiental alcançada pela Costa Rica, foi a de basear seu crescimento econômico na produção de energia limpa. Nos anos 50, tendo o Instituto Costarricense de Electricidad como ator principal, a Costa Rica desenvolveu uma estratégia fundamentada na produção hidrelétrica. A esta se somaram posteriormente, as energias eólica e geotérmica. Assim, pelo menos nas últimas décadas, o consumo energético do país está baseado, em mais de 95%, em fontes limpas de energia.
No campo jurídico, com a modificação da Constituição Política em 1994, o direito de todo cidadão a um mio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado foi elevado a preceito constitucional.  Além disso, a Costa Rica tem firmado e ratificado os mais relevantes instrumentos internacionais e regionais em matéria ambiental, e promulgado toda uma série de leis e regulamentos para assegura-lhes garantias constitucionais.

No campo internacional, a Costa Rica teve uma participação ativa nos esforços pioneiros para estabelecer mecanismos financeiros para contribuir com a redução das emissões de gases do efeito estufa, através dos Certificados Transferíveis de Compensação de Emissões (CTO´s) que posteriormente, dentro o marco do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kioto na Convenção da Mudança Climática, têm servido de fonte inspiradora para o desenvolvimento dos Certificados de Redução de Emissões (CER´s).
Desde as fases iniciais da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a Costa Rica defende a proteção dos bosques naturais como reservatórios de carbono. Este esforço foi retomado na formação da “Coalizão de Países com Bosques Tropicais”, donde a Costa Rica lidera, conjuntamente com Papua Nova Guiné e um grupo de cerca de 30 países, um esforço político para promover, dentro da Convenção da Mudança Climática, a contribuição dos bosques e sua conservação ao equilíbrio global das emissões de gases do efeito estufa. A consolidação desta proposta desencadeará ações para reduzir o desflorestamento e a degradação dos bosques tropicais, gerando benefícios econômicos para fortalecer os esforços nacionais e internacionais para a conservação e recuperação florestal, especialmente nos países em desenvolvimento.

A Costa Rica lidera igualmente, junto com quatro países mais, um movimento mundial para a assinatura  de uma declaração Universal sobre o Bem-Estar Animal, que promove princípios básicos de bem-estar e trato humanitário aos animais.
Finalmente, o país participou ativamente do “Processo de Marrakesh” sobre produção e consumo sustentável, que busca estabelecer um marco de políticas para fomentar práticas mais amigáveis como meio ambiente e os processos produtivos e os hábitos de consumo da população mundial, com a finalidade de contribuir com o sucesso dos objetivos globais de desenvolvimento sustentável.

Iniciativa Paz com La Naturaleza
Há pouco mais de um ano, o presidente Oscar Arias se comprometeu com o país a estabelecer, por decreto, a Iniciativa Paz com La Naturaleza, que reflete o reconhecimento de que os seres humanos têm estado em guerra contra a natureza, mas que é chegado o momento de se declarar a paz. Até poucas gerações cortar a montanha significava “fazer pátria.”

Hoje começamos a entender que o ser humano impactou a biosfera como nenhuma outra espécie na história da Terra. Ao final do século passado, diversas investigações revelaram o impacto do desenvolvimento humano na biosfera, baseado na combustão do petróleo e na cultura do consumo. Agora sabemos que a combustão do petróleo e a derrubada das florestas produzem gases de efeito estufa, os quais aumentam a temperatura da atmosfera e do mar e causam o degelo das calotas polares, da Groenlândia e de muitas outras geleiras do planeta. O aumento da temperatura marinha, por sua vez, aumenta a intensidade e a freqüência dos furacões. Na Costa Rica, por exemplo, também sentimos os impactos das mudanças climáticas: desde as inundações que eclodiram em 2007, até o aumento de casos de enfermidades respiratórias.

Em seis de julho do não passado, durante o lançamento da Iniciativa Paz com La Naturaleza, o presidente Oscar Arias Sanchez propôs quatro ações internacionais e quatro ações nacionais como eixos de trabalho. Entre as ações mais ambiciosas estão a de converter a Costa Rica em um país neutro em carbono já no ano de 2021, a de aumentar a cobertura vegetal e a de  incrementar o tamanho das áreas protegidas. Outro importante compromisso é o da “ambientalização” do setor público, com a implementação de comportamentos eco-amigáveis que ao mesmo tempo envolvam economia de eletricidade, água e a reciclagem de resíduos.

O primeiro país…
Em princípios deste ano, se iniciou a implantação de “comportamentos eco-amigáveis” nos ministérios e entidades privadas. Foram produzidas, em coordenação com a Direção de Gestão de Qualidade (Digeca), guias para os planos de gestão ambiental e se iniciaram oficinas com as pessoas designadas, por cada entidade, para coordenar ações. Contamos com o apoio do Governo da Inglaterra, através da sua embaixada em San José, já que os ingleses, faz algum tempo, adotaram um comportamento austero no governo, em relação ao meio ambiente, com a conscientização e colaboração dos seus cidadãos. Quanto às áreas protegidas, a iniciativa  criou um consórcio internacional responsável pela formação de um fundo de apoio para o Sistema Nacional de Áreas de Conservação (Sinac). A Costa Rica tornou-se, assim, o primeiro país a garantir a sustentabilidade de suas áreas de conservação, cumprindo com um dos acordos da Convenção da Biodiversidade.

No plano externo, a Iniciativa Paz com La Naturaleza  convida a todos os países, mesmo aqueles excluídos de responsabilidades no Tratado de Kioto, a atuar com urgência para reduzir e compensar as emissões de gases do efeito estufa. Iniciamos um diálogo nacional para a análise sobre as implicações de chegar a  ser neutro de carbono em 12 anos. Com o apoio da chancelaria, trabalhamos com o objetivo de estabelecer uma frede de apoio entre os países que aspiram também ser neutro de carbono.. Aspiramos contar com a adesão voluntária de muitos outros países.

Tomada de decisão
Outro compromisso de Iniciativa Paz com La Naturaleza  é a elaboração de um Plano de Ação para o presidente, que lhe facilite a tomada de decisões, em uma gama de temas relacionados com a crise ambiental, incluída no nosso caso, a problemática crônica do manejo do lixo e da contaminação de nascentes. Reconhecemos que se requer uma mudança radical, como a que promoveu a Lei de Resíduos, que inicia com a separação do lixo no local de origem. Muitas das ações propostas só requerem decisão política, outras requerem decretos ou leis que seriam apresentadas à Assembléia Legislativa, oportunamente, para sua consideração.

A iniciativa apóia a tomada de decisões criando grupos de trabalho com experts, acadêmicos e políticos para analisar problemas complexos, como o do desenvolvimento da península de Osa e do golfo Dulce no sul do país. Essa península abriga um extraordinário tesouro de biodiversidade, que vale muito mais que o ouro encontrado no seu subsolo. Um desenvolvimento sem as ferramentas de planejamento adequadas representaria a perda de uma das jóias biológicas do Istmo, com mais de 2% da biodiversidade mundial.

Mesmo reconhecendo que ainda há muito que fazer para lograrmos mudanças irreversíveis em nosso modo de vida, que nos aproximem da sustentabilidade social, ambiental e econômica ideal para este século XXI, acredito que seguimos por um bom caminho. Nesse sentido, é essencial para o sucesso das metas da Iniciativa Paz com La Naturaleza, minimizar as contradições nacionais, facilitar acordos, coordenar ações e propiciar a análise científica e técnica, como em seminários como este, para agregar temas ambientais na tomada de decisões, no mais alto nível.

Revista Ecoturismo