Avanços da ciência do clima trazem mais incertezas, mas dados sobre aquecimento estão cada vez mais fortes
Paulo Artaxo, físico da USP e membro do IPCC, o painel do clima da ONU, mostra o rascunho de um dos capítulos do próximo relatório do grupo, a ser lançado no ano que vem. O gráfico, uma estimativa da influência das nuvens e dos aerossóis (partículas em suspensão no ar) sobre o clima da Terra, pode parecer decepcionante para quem quer respostas prontas da ciência. Do último relatório do IPCC (de 2007) para cá, a incerteza sobre esse fator aumentou, em vez de cair.
Paradoxalmente, diz ele, isso se deu porque a ciência do clima melhorou, incorporando cada vez mais a complexidade da natureza em seus modelos computacionais, usados para prever como será a Terra do futuro.
O resultado desses avanços não deve fazer os céticos sobre o aquecimento global cantarem vitória. Incertezas à parte, é muito difícil abalar a alta probabilidade de que, ao longo deste século, o planeta vai esquentar mais alguns graus Celsius (algo entre 2o C e 5o C).
“Eu não acredito que isso seja um cenário de fim de mundo, mas as consequências sociais e econômicas vão ser sérias”, sentencia Artaxo.
Ele e outros pesquisadores de destaque da área, ouvidos pela Folha, são unânimes em dar de ombros diante do recente mea culpa do britânico James Lovelock.
GAIA CIÊNCIA
Criador da célebre hipótese Gaia (que enxerga a Terra como um gigantesco ser vivo), ele causou barulho ao dizer, anos atrás, que o aquecimento global mataria bilhões de pessoas até 2100, confinando os poucos sobreviventes no Ártico.
No mês passado, ele se retratou, dizendo estranhar porque o planeta ainda não esquentou mais.
“Eu não sei se ele esperava um aquecimento maior, mas posso dizer que o aquecimento que de fato ocorreu [cerca de 1oC] está perfeitamente de acordo com as previsões do IPCC”, diz Artaxo.
“E note que em nenhum momento ele nega que o aquecimento esteja ocorrendo ou seja causado pela ação humana”, completa Tercio Abrizzi, meteorologista do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.
A temperatura global, neste começo de século 21, parece mais ou menos estacionada no nível mais quente alcançado no fim do século 20.
“É preciso lembrar, primeiro, que esses degraus são previstos nos modelos climáticos”, diz Abrizzi. “E há excelentes trabalhos recentes mostrando que as camadas superficiais do oceano estão ficando mais quentes.” É como se eles, temporariamente, funcionassem como um “amortecedor” do clima.
Outro possível amortecedor são os aerossóis, como as partículas de enxofre liberadas pela poluição industrial. Amargo paradoxo: tornar o ar das cidades mais respirável pode engatar a quinta marcha do aquecimento.
“Há inúmeros tipos de aerossóis e nuvens, que podem se comportar de um jeito no nível do mar, de outro a 1.000 m de altitude e de outro na estratosfera”, diz Artaxo.
É por causa dessa complexidade que a incerteza dos modelos cresce. Mas, como a proverbial faca, ela corta dos dois lados: pode muito bem revelar um risco ainda maior da mudança climática.
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DO EDITOR DE “CIÊNCIA+SAÚDE”
Caiu um dos últimos bastiões dos que argumentam que a queima de combustíveis fósseis não aquece a Terra.
O problema, diziam os céticos, é que o CO2 liberado por essa queima não parecia ser o causador de mais calor no planeta em épocas geológicas anteriores. A ordem parecia ser inversa: primeiro a Terra esquentava e só depois a atmosfera recebia mais CO2.
“A aparente contradição tem a ver com a maneira como a neve se deposita”, afirma o paleoclimatólogo Cristiano Chiessi, da USP.
Explica-se: os principais registros sobre o clima do passado vêm de cilindros de gelo obtidos na Antártida. Em lugares de neves eternas, essa “biblioteca” gelada alcança centenas de milênios.
A composição do gelo dá pistas sobre a temperatura na época em que a neve caiu, enquanto bolhas de ar presas na massa gelada indicam quanto CO2 havia no ar.
“O problema é que essas coisas acontecem em ritmo diferente. Quando a neve cai, ela fica muito tempo permeável ao ar acima dela. Demora para as bolhas se formarem”, diz Chiessi.
Resultado: os modelos indicavam que o ar preso nas bolhas sempre é mais “novo” que o gelo ao lado. Assim, não dava para saber qual tinha sido a ordem dos acontecimentos, num verdadeiro problema de ovo e galinha.
Um artigo na revista “Nature” do mês passado, assinado por Jeremy Shakun, da Universidade Harvard, contornou isso unindo os dados da Antártida a outros registros pelo mundo. A pesquisa mostra que, no fim da última era glacial, a ordem foi mesmo mais CO2 primeiro e temperatura aumentada depois.
Detalhe importante: em cem anos, os níveis de CO2 atmosféricos aumentaram na mesma proporção que todo o incremento em 10 mil anos no fim da última fase glacial.
O que uma mudança dessas pode causar além de mais calor? Uma pista está num estudo coordenado por Maria Assunção da Silva Dias, também da USP, que viu um aumento de um terço na chuva da Grande São Paulo em menos de um século.
Boa parte disso tem a ver com fatores naturais e com o excesso de prédios da metrópole. “Mas a mudança lembra um ensaio do que se espera que venha no futuro, com mais eventos extremos”, diz Silva Dias -como tempestades na estação seca, antes inexistentes, e mais temporais como um todo.
(RJL)