A descoberta de uma série de irregularidades em licenças para o desmate de mata atlântica na Baixada Santista (litoral de SP) levou a Secretaria do Meio Ambiente a suspender, em junho, autorizações dadas a um condomínio de luxo no Guarujá e a reavaliar o aval para desmatamento de uma área de 2 milhões de metros quadrados para a ampliação da Riviera de São Lourenço, em Bertioga.

A investigação, conduzida pelo Ministério Público e por comissões de sindicância da secretaria, indica a existência de um esquema de fraudes que operou dentro do DEPRN (Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais Renováveis) da Baixada, órgão da própria secretaria, até 2007.

O então diretor do departamento na Baixada, o engenheiro florestal Domingos Ricardo de Oliveira Barbosa, foi afastado do cargo há dois anos, após o início da apuração. Houve ao menos três sindicâncias que envolvem Barbosa, nomeado em 2002. Elas apontam que o esquema pode ter atuado em dezenas de outros processos. Para a Promotoria, até agora foi descoberta apenas a “ponta do iceberg”.

No caso do Guarujá, segundo as investigações, o departamento autorizou ilegalmente o desmatamento de mata atlântica para a construção do condomínio de luxo Taguaíba, feito pela empresa LLC Taguaíba.

A promotora de Justiça Juliana Araújo diz que as fraudes ocorreram por meio da adulteração na caracterização da licença. Pelo esquema, onde havia vegetação que, por sua importância, deveria permanecer intocada, o laudo indicava tratar-se de mata de menor valor (e que poderia ser retirada).

Para a Promotoria, as licenças foram dadas de forma “flagrantemente irregular, equivocada e criminosa”. Além de a floresta ser de alto valor biológico, a região do condomínio é tombada pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) do Estado de São Paulo e não poderia ter sido afetada.

Riviera
No caso de Bertioga, a investigação aponta que o departamento de proteção ignorou pareceres do próprio órgão e da Fundação Florestal, vinculada à Secretaria de Estado do Meio Ambiente, para aprovar a fase dois da Riviera. O projeto é da empresa Sobloco. A área, segundo o parecer do departamento, tem vegetação de restinga alta pouco afetada pela atividade humana -o que é considerado de alto valor ambiental- e abriga “espécies ameaçadas de extinção”.

Durante a investigação, a Promotoria consultou o Núcleo Itutinga Pilões do Parque Estadual da Serra do Mar, responsável pela gestão da área, sobre a importância ambiental da região do loteamento.

A resposta do biólogo Lafaiete Alarcon da Silva, gestor do núcleo, foi: somente obras públicas poderiam ser feitas na área da expansão da Riviera. Ou seja, a obra é ilegal.
Segundo a secretaria, a Procuradoria do Patrimônio Imobiliário analisa os documentos, medida tomada após notificação da Promotoria. Em nota, a secretaria diz que vai tomar as “eventuais providências que forem recomendadas”.

As sindicâncias apontam que o esquema pode ter permitido o licenciamento irregular em dezenas de outros casos. Em 17 processos que estão sendo reanalisados, o engenheiro florestal Henrique Freitas dos Santos, que atuava no departamento como “autônomo”, assina os laudos para a empresa Green Zone, ligada a seu pai, o corretor de imóveis João Henrique Alves. Alves nega que a Green Zone seja sua, mas o site de sua imobiliária traz um link e apresenta os serviços da empresa.

José Ernesto Credencio
Folha de São Paulo

Afra Balazina
Folha de São Paulo