Em entrevista no auditório da Folha, o cineasta alemão Werner Herzog falou de Bin Laden e de novos filmes

Em visita ao Brasil, Herzog participa de congresso de jornalismo cultural e abre mostra de seus documentários

DE SÃO PAULO

Um dos maiores cineastas em atividade, o alemão Werner Herzog, 68, esteve ontem no auditório da Folha. Herzog está no Brasil para participar do 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural e para abrir um ciclo com sua produção documental.
A seguir, trechos de sua conversa com os jornalistas:

Línguas indígenas
Os movimentos verdes estão interessados na sobrevivência das baleias e dos ursos panda, mas não se importam com a dos povos indígenas. Há cerca de 14 línguas, hoje, que são faladas por apenas uma pessoa. Em 50 anos, 90% dessas línguas terá desaparecido. Penso em fazer um filme sobre isso.

“O Homem Urso”
Nunca conheci o protagonista do filme. Ele estava morto e devorado quando recebi as gravações. Discordávamos em algo: ele tinha essa ideia meio Walt Disney de que todo urso selvagem é um ursinho carinhoso. Tenho uma opinião distinta sobre o que é a harmonia com a natureza.
O ataque do urso [ao final do documentário, Timothy Treadwell, o protagonista, é devorado pelos animais que defendia] aparentemente ocorreu pela manhã.
A câmera estava ligada, mas com a tampa sobre a lente. Só era possível escutar. Escutei a fita uma única vez, e não consegui chegar ao fim. Falei para quem estava comigo: “Isso só vai ser ouvido pelo público sobre o meu cadáver.” Sugeri a Jewel Palovak [ex-namorada de Treadwell e detentora dos vídeos] que destruísse a fita. Ela não o fez, o que foi prudente, mas a pôs no cofre de um banco.

Relação com atores
Klaus Kinski fez 210 filmes, sendo cinco deles comigo. Tínhamos uma relação conturbada, mas consegui domesticar a fera branca. Quando o Nicolas Cage interpretou um policial corrupto em “Vício Frenético”, ele me perguntou por que o personagem era tão perverso: se ele perdido pessoas no ataque às torres gêmeas ou no furacão Katrina. E eu respondi: “Não questione. Apenas aproveite a bênção da maldade.”

Corredor da morte
Estou fazendo um documentário sobre condenados à morte nos EUA. Encontrei os presidiários a cada três meses. Um homem, já condenado à morte, confessou, diante das câmeras, ter cometido outros dois assassinatos que até então estavam sem autoria. Um outro seria executado oito dias após nossa conversa. Os crimes que cometeram são monstruosos, mas não os vejo como monstros. Sou contra a pena de morte, e meu argumento é simples: sou alemão – e meu país matou mais de 6 milhões de judeus de forma sumária.

Obama e Osama
Barack Obama foi inteligente em não divulgar as imagens de Osama Bin Laden morto, como se fosse um troféu. Ele quis dizer que não estamos na cultura dos troféus; que não somos caçadores. Achei prudente e admirável -assim como, no 11 de Setembro, não foram divulgadas imagens dos mortos. E a razão é a mesma: uma convenção silenciosa entre humanos que diz que não se deve violar a dignidade da morte.

Filmes piratas
O ato de piratear tem certo charme, representa uma cultura que está realmente viva, em uso. Mas, para cineastas, significa um ataque à nossa fonte de renda. O ideal é que se chegue a um meio termo, de filmes que possam ser baixados a US$ 5. A indústria cinematográfica ama filmes em 3D porque não podem ser pirateados. Mas decidi fazer “A Caverna dos Sonhos Esquecidos” em 3D para que o público tivesse a mesma sensação que eu tive ao ver as pinturas rupestres de Chauvet.

Hollywood
Moro em Los Angeles porque me casei com uma americana. Minha relação com a indústria do cinema é distante.

Fonte: Folha de São Paulo