Está para ser escrutinada a virada súbita no discurso oficial do presidente Lula e de sua ministra Dilma Rousseff no tocante à posição brasileira na cúpula mundial do clima, que ocorrerá entre os dias 7 a 18 de dezembro em Copenhague.

Em poucos meses, diria até semanas, o discurso passou da declarada rejeição a compromissos de qualquer ordem para uma exigente conclamação dos líderes mundiais a estampar números e adotar compromissos de redução de emissões (propõe reduzir entre 36,1% e 38,9% o volume de gases em relação ao que o País emitiria em 2020 no cenário *business as usual*, ou seja, se nenhuma medida fosse tomada).

Antes, Lula não aceitava ser cobrado; agora, além de ter se comprometido publicamente com números (reduzir de , cobra com o dedo em riste os seus pares emergentes, como a China – além do maior poluidor histórico, os EUA. Antes, a ministra Dilma atacava de desenvolvimentismo a qualquer custo; agora reveste cuidadosamente de verde as palavras. Antes, não se cogitava a ida de Lula a Copenhague; sagaz, nesta segunda-feira dia 16, ele confirmou a participação, tornando obsoleta a campanha do Greenpeace que acaba de ser lançada com o intuito de mobilizar as pessoas para exigir sua ida à conferência.

Cabe à ciência política examinar em que medida a virada discursiva é estratégica para Lula nesta véspera de ano eleitoral no Brasil e também neste momento em que o meio ambiente – em função da gravidade do quadro e a da mobilização crescente da sociedade civil – atrai como nunca potentes holofotes para as lideranças políticas. Momentos que são ricos demais para se desperdiçar.

O que já se convencionou chamar de “Efeito Marina” explicaria a preocupação do governo em evitar a migração para a pré-candidata pelo PV, Marina Silva, de votos do eleitorado consciente da problemática ambiental e sedento por um novo modo de desenvolvimento. Mostrar que Lula e sua candidata Dilma trabalharam para salvar o mundo do desastre climático – e ainda lutando contra a corrente dos poderosos EUA e China – poderá ser amplamente explorado em campanha política. Será que sustentabilidade, agora, já dá voto?

O fato de o presidente Lula colocar-se como um exemplo mundial a ser seguido, justamente neste momento em que se aventa um fracasso do acordo em Copenhague, reflete apenas o desejo de ressaltar seu protagonismo no cenário geopolítico? Ninguém abraça a causa ambiental assim, de uma hora pra outra. Ou será que os números brasileiros foram assumidos porque já havia sinais de que não se chegaria mesmo a um acordo de redução de emissões na cúpula de dezembro? No recente encontro do Fórum da Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec, na sigla em inglês), o presidente Barack Obama, junto com líderes asiáticos e demais nações, disseram que em Copenhague não se deverá quantificar metas de redução, tarefa a ser postergada para 2010. Mas, ontem, dia 17, na China, o presidente Hu Jintao e Obama deram um passo adiante e defenderam a assunção de metas por países desenvolvidos.

Ambientalistas e especialistas como o físico José Goldemberg, entretanto, consideram que os números com os quais o Brasil se comprometeu publicamente somente terão relevância política se transformados em lei, dando a eles maior consistência do que uma simples declaração de intenções confere. Conforme noticiado no jornal *O Globo*, Marina Silva (PV-AC) pretende criar um portal na internet para acompanhar o cumprimento da meta de redução de emissões, ainda que “meta” seja uma palavra evitada pelo governo brasileiro, pois no linguajar climático referiu-se sempre a países desenvolvidos e denota compromissos mandatórios, enquanto aos emergentes caberiam compromissos voluntários. Mandatórios ou voluntários, o compromisso agora é moral, e certamente a sociedade civil ficará em cima para cobrar.

Também é de se perguntar se a disseminação dessa ideia de fracasso em Copenhague não é uma estratégia política dos líderes com o intuito de se reduzir as expectativas do público para que, caso saia algum acordo morno, ele seja festejado.

À perspectiva de postergação de um acordo global, ONGs como a Vitae Civilis, que acompanha as negociações sobre clima desde a Rio-92, manisfestam-se enfaticamente: “É uma sentença de morte para milhões de pessoas”.

Para Rubens Harry Born, coordenador da ONG, nada justifica politicamente a decisão de fazer de Copenhague somente um momento de mais diálogos e compromissos políticos, sem validade jurídica. “As negociações para o segundo período do Protocolo de Kyoto deveriam ter começado em 2005, segundo um artigo do próprio protocolo. Mas de 2005 a 2007 só houve diálogos políticos para definir a agenda e metodologia específica das negociações. Portanto, já se passaram quatro anos de diálogo político. Copenhague é o momento das decisões legalmente vinculantes”, afirma.

Talvez o argumento da “sentença de morte” não seja forte o suficiente, considerando que a Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar, que acaba de ser realizada em Roma, não conseguiu a adesão de países ricos a compromissos para a erradicação da fome. Para o acordo sobre mudança climática – que inclusive impacta na oferta de alimentos – espera-se que argumentos econômicos e políticos pesem na decisão.

Vale relembrar o *Relatório Stern*, de 2006: se nada for feito, os prejuízos provocados pelas mudanças climáticas representarão 5% do PIB mundial a cada ano. E a depender da evolução dessas mudanças, podem atingir 20% do PIB global. Estima-se que a última crise financeira cortou 30% das riquezas globais. Ou seja, o prejuízo com o clima pode representar uma crise tão severa quanto a que mobilizou esses mesmos líderes na busca de recursos para reconstruir o sistema financeiro. “Como esse mesmo relatório estimou em 1% do PIB mundial os gastos para reduzir a emissão dos gases que provocam o efeito estufa, é fácil concluir que reverter o atual quadro é muito mais uma questão de vontade política do que de orçamento ou bom senso econômico”, diz documento da Vitae Civilis.

Mas esse é um argumento que tem de sensibilizar o Congresso norte-americano. Sem o apoio do Congresso, Obama, que já personificou a grande promessa de um acordo climático global, fica de mãos atadas. Enquanto isso, não tem nenhum “cara” que consiga resolver o impasse.

Amália Safatle é jornalista e fundadora da Página 22, revista mensal sobre sustentabilidade, que tem como proposta interligar os fatos econômicos às questões sociais e ambientais.