Tinha esquecido o que eram férias de verdade. Passei alguns anos adiando ou dizendo que estava de férias, mas, no fundo… sempre conectado. Depois da intensa semana de debates e reuniões no festival de publicidade de Cannes, decidi tirar uma semana de férias e tomei coragem de me desconectar totalmente.
Apesar da expectativa de dirigir um Triumph TR4 1964 pelas autoestradas europeias, sofri de um certo “estresse pré-férias”. Tudo isso porque percebi que, depois de muitos anos de rotina atribulada, seria difícil desconectar do meu dia a dia, principalmente diante das facilidades tecnológicas que nos acompanham, com tablets, smartphones, conexão à internet em qualquer lugar etc. Mesmo o antigo Triumph foi adaptado e uma tomada para carregar celular estava à mão.
Nos dias que antecederam as férias, preparei-me psicologicamente para estar realmente ausente e ir além da tradicional mensagem de ausência temporária. Deleguei a responsabilidade ao meu time e pela primeira vez esforcei-me para não entrar nos e-mails e não ler nada.
A única obrigação diária –acordada previamente com minha mulher– era uma mensagem para meus pais para saber como estavam as meninas. E, no fundo, eles também se aperfeiçoaram tecnologicamente –em vez da tradicional chamada telefônica, recebia uma mensagem pelo WhatsApp com uma foto ou um vídeo acompanhado da frase “elas estão ótimas”!
Confesso que sofri no início de uma espécie de síndrome de abstinência profissional. Bateu uma certa ansiedade para saber o que estava acontecendo e involuntariamente talvez uma ponta de medo da desconexão do trabalho –mesmo que por curto período de tempo.
Mas, no fim, percebi que é preciso um pouco de ócio para poder seguir adiante no nosso louco mundo digital. Consegui refletir sobre muitas coisas em que não consigo pensar quando estou superatribulado.
Analisei potenciais oportunidades, lembrei de coisas importantes no desempenho do meu time, pensei em ideias novas. Ou seja, o ócio me ajudou a sair do lugar-comum e a sensação foi incrível. Porém, constatei que esse tipo de ócio está em falta hoje em dia, e não só para mim.
Tempos atrás li uma pesquisa do site americano CareerBuilder, com 5.600 pessoas, que mostra que mais de 10% delas se sentem culpadas por não estar trabalhando durante as férias. Além disso, três em dez entrevistados que planejam as férias pretendiam trabalhar com seus smartphones durante o “descanso”.
Como disse há algumas semanas o colunista Tim Kreider, do “New York Times”: estar ocupado virou uma espécie de síndrome do século 21, na qual as pessoas ficam ansiosas quando não estão trabalhando.
E essa “presente histeria”, como define, não é uma condição de vida ou algo inevitável. Nós escolhemos viver assim.
Algumas empresas já perceberam os benefícios que os dias de folga podem trazer em termos de inovação e boas ideias. Bons exemplos de férias flexíveis são a IBM e a Netflix. Há algum tempo, o fundador da Netflix, Reed Hastings, comentou sobre a política de férias ilimitadas que a companhia implantou.
Em vez de um pacote restrito ou predeterminado de dias de folga, o funcionário tem o tempo que precisar. O foco é no que os funcionários fazem e não nos dias em que ficaram de fato no escritório. Para muitos isso pode parecer liberdade demais, mas, no pensamento do fundador da Netflix, os benefícios vêm depois, com o pensamento criativo.
Na minha jornada profissional encontrei diversos executivos que também não conseguem desligar. Alguns afirmam que voltam até mais estressados do que antes da folga.
Mas aprendi que, se você consegue focar nas férias com o objetivo de descansar a cabeça, curtir os lugares, fazer algo diferente e principalmente dedicar tempo a quem está do seu lado, essa sensação passa. É compensada pela recarga de energia, que será para lá de benéfica após o retorno.
Percebi nesses dias de folga que é possível fugir do ciclo de “estar sempre ocupado”. É difícil, mas vale a pena viver o ócio. Não tenha medo de desconectar-se do trabalho. Pelo menos nas férias.
Fonte: Alexandre Hohagen