Dos 18 pontos analisados em campo, 16 apresentaram o IQA (Índice de Qualidade da Água) péssimo e 2 regular. Água está imprópria para o consumo em todo o trecho analisado

A equipe da Fundação SOS Mata Atlântica realizou de 6 a 12 de dezembro de 2015 uma expedição pelos municípios afetados pelo rompimento da barragem na cidade de Mariana (MG), com o objetivo de coletar sedimentos para análises laboratoriais e monitorar a qualidade da água do rio Doce e afluentes impactados pela lama e rejeitos de minérios. Ao todo, foram analisados 18 pontos em campo, percorridos 29 municípios e coletados 29 amostras de lama e água para análise em laboratório. Desses 18 pontos, 16 apresentaram o IQA (Índice de Qualidade da Água) péssimo e 2 obtiveram índice regular.

Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, afirma que a expedição constatou que condição ambiental do rio Doce é péssima em 650 km de rios. “Em todo o trecho percorrido e analisado por nossa equipe a água está imprópria para o consumo humano e de animais”, observa.

O estudo aponta que a turbidez e o total de sólidos em suspensão estão em concentrações muito acima do que estabelece a legislação. Ela variou de 5.150 NTU (Nephelometric Turbidity Unit, unidade matemática utilizada na medição da turbidez) na região de Bento Rodrigues e Barra Longa, à 1.220 NTU em Ipatinga (MG), aumentando gradativamente na região da foz, em Regência (ES). “O máximo aceitável deveria ser de 40 NTU”, diz Malu.

Segundo ela, os dados reforçam a gravidade do dano ambiental. “Infelizmente, as chuvas acabam por arrastar mais lama para o leito do rio e a situação tende a ficar ainda mais complicada. A lama e os metais pesados não mascararam ou diminuíram as concentrações de poluentes provenientes de esgoto sem tratamento e de insumos agrícolas”, afirma.

A coordenadora ressalta, ainda, que o rio Doce já apresentava uma condição precária antes do rompimento da barragem de rejeito de minério. “Agora, com base no monitoramento que vem sendo realizado de forma independente pela sociedade e por autoridades, esperamos que seja possível planejar ações de recuperação de médio e longo prazo para a bacia”, conclui.mapa-riodoce

A expedição foi realizada com o apoio da Ypê – Química Amparo, da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), da ProMinent Brasil e de outros grupos de especialistas voluntários, como o GIAIA (Grupo Independente de Avaliação de Impacto Ambiental). Contou também com a participação do eco esportista Dan Robson, que navegou trechos com um caiaque especialmente equipado para realizar análises da qualidade da água e da profundidade do leito dos rios e dos reservatórios ao longo do percurso. Além disso, parte dos testes foi realizada em campo com equipamentos especiais para a medição de metais, sondas de medição e espectrofotômetro.

A análise da água foi realizada com base nos parâmetros de referência estabelecidos na legislação vigente no país, a Resolução Conama 357/5, que estabelece a classificação das águas e aponta o IQA. A equipe da Fundação SOS Mata Atlântica utilizou um kit desenvolvido pelo programa Rede das Águas, empregado no projeto Observando os Rios,  que reúne voluntários de diversos Estados do país, localizados em áreas de Mata Atlântica, para o monitoramento de qualidade da água em rios, córregos e lagos.  O kit segue metodologia para avaliação do IQA a partir de um total de 16 parâmetros, que incluem níveis de oxigênio, demanda bioquímica de oxigênio, nitrato, coliformes, fosfato, pH, temperatura, turbidez, odor cor e presença de peixes, larvas brancas e vermelhas. A classificação da qualidade das águas é feita em cinco níveis de pontuação: péssimo (de 14 a 20 pontos), ruim (de 21 a 26 pontos), regular (de 27 a 35 pontos), bom (de 36 a 40 pontos) e ótimo (acima de 40 pontos).

Metais pesados e bactérias

De acordo com as coletas e análises físico-químicas realizadas, que obedeceram às normas estabelecidas pelo Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, todos os pontos avaliados estão em desacordo com o que é preconizado na legislação vigente.

Confira na tabela abaixo a descrição dos metais pesados encontrados nas amostras:

Dureza Considera-se “água dura” aquelas com teores acima de 150 mg/l de cálcio e magnésio. Já “água mole” são as que possuem concentrações abaixo de 75mg/l. Porém, a Portaria do Ministério da Saúde 518/2004 coloca como padrão de potabilidade a dureza com limite até 500 mg/L. As águas analisadas em todos os pontos são consideradas “águas duras”. A quantidade de íons de magnésio e cálcio na água são os principais parâmetros para a determinação da dureza.
Magnésio Todos os pontos analisados estão com quantidade de magnésio que supera o que preconiza a legislação. O mineral magnésio é o segundo mais abundante cátion intracelular e está envolvido em diversas e importantes reações bioquímicas, porém, em altas quantidades pode aumentar produção de adenosina trifosfato (ATP) intracelular e por consequência aumentar a utilização de glicose. Em altas quantidades, o magnésio atua como cofator de todas as reações que envolvem transferência de ATP. A ação do magnésio como um bloqueador de canais de cálcio também pode contribuir para reduzir a liberação de cálcio e, assim, reduzir a resistência vascular. Além disso, o magnésio também ativa a bomba Na-K ATPase que controla o equilíbrio desses minerais.  Fonte: vista.hupe.uerj.br/detalhe_artigo.asp?id=92.
Cálcio A quantidade de cálcio apresentou-se dentro dos parâmetros estabelecidos pela Portaria Ministério da Saúde 518, de 25/03/2004.
Cobre Em 5 pontos esse parâmetro encontra-se em quantidades superiores ao que preconiza a legislação. Quando o metal cobre não está ligado a uma proteína, como é o caso dos pontos analisados, ele é tóxico. O consumo de quantidades relativamente pequenas de cobre livre pode provocar náuseas e vómitos. Se os sais de cobre não ligados a proteínas forem ingeridos em grandes quantidades, podem ocorrer lesões nos rins, inibição da produção de urina e anemia devido à destruição de glóbulos vermelhos (hemólise).
Alumínio 4 pontos apresentam alteração em comparação com o limite permitido por lei. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no anexo da portaria número 518, de 25 de março de 2004, estabelece que excedida a porcentagem limite de ingestão do alumínio por meio da água, isso pode causar riscos à saúde, pois esse metal é um composto neurotóxico. O consumo em longo prazo pode causar encefalopatia grave em pacientes que sofrem diálise renal, podendo levar a distúrbios neurológicos. Alguns estudos demostram que os riscos podem estar relacionados ao aumento dos casos de mal de Alzheimer, à formação de compostos químicos cancerígenos e à metemoglobinemia – doença que faz com que o ferro não transporte oxigênio ao sangue. Sem o oxigênio ser transportado no sangue, os sinais e sintomas podem ser: tontura, fadiga, taquicardia, náusea, vômito, sonolência, coma e, raramente, levar à morte.
Ferro As quantidades obtidas estão dentro do padrão estabelecido pela Resolução Conama 357/2005. O Ministério da Saúde adverte que o excesso de ferro dissolvido na água pode provocar sinais e sintomas como diarreia e vômitos.
Manganês As análises realizadas pela equipe da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), em laudo disponibilizado no GIAIA, mostram que 8 pontos encontram-se com níveis muito acima do permitido pela legislação. Quando a contaminação por manganês ocorre por ingestão, no caso quando a água está com excesso desse elemento, existe o risco de seres humanos apresentarem sintomas como rigidez muscular, tremores das mãos e fraqueza. Pesquisas realizadas em animais constataram que o excesso de manganês no organismo provoca alterações no Sistema Nervoso Central, e ainda pode levar à impotência, por danificar os testículos.

Os gráficos abaixo indicam os níveis de turbidez, alumínio, magnésio e manganês identificados em cada ponto de coleta:

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Já para bactérias, os resultados obtidos das análises físico-químicas são:

Escherichia coliEscherichia coli Bactéria que faz parte da flora intestinal de animais de sangue quente, como seres humanos, por isso sua presença na água se deve à contaminação com fezes. As bactérias E.coli presentes no intestino humano não causam problemas a saúde, mas quando encontradas em outros locais, como a água utilizada para abastecimento ou mesmo lazer, podem contaminar aos que entram em contato com essa água. Essas bactérias podem causar doenças como a gastroenterite e infecção urinária, por exemplo. Forma de contaminação: consumo de água ou alimentos contaminados com a bactéria.
ShigellaShigella Existem   4 espécies:  S. flexneri,   S. boydii,   S. sonnei ,   S. Dysenteriae. Todas causam disenteria bacilar. Pode ser adquirida ingerindo água ou alimentos contaminados. Apenas pessoas contaminadas podem eliminar as bactérias juntamente com as fezes e assim contaminar a água (se não houver um tratamento do esgoto lançado).
Klebsiella – Klebsiella spp

 

 Klebsiella

 

São espécies agentes patogênicos oportunistas comuns no trato gastrointestinal dos seres humanos e outros animais. Podem ser encontradas em água, solos, vegetação e esgoto. Bacteremias (envenenamento do sangue ou toxemia) causadas por Klebsiella spp. podem ocorrer após uma complicação urinária, infecções do trato gastrointestinal ou respiratório. A ocorrência de infecções causadas por espécies de Klebsiella causam grande preocupação pela capacidade que possuem em produzir enzimas, que podem gerar resistência bacteriana a antimicrobianos potentes.
Pseudomonas sppPseudomonas As espécies do gênero Pseudomonas são bacilos Gram-negativos, aeróbios, móveis e oxidase positiva. Suas necessidades nutricionais são mínimas, sobrevivendo em uma grande variedade de ambientes. Encontram-se amplamente distribuídas no solo e na água, e podem também fazer parte da microbiota normal do trato intestinal e pele de 3 a 5% dos seres humanos.

Para ter acesso ao laudo completo, acesse o link: http://bit.ly/RioDoceSOS .

Sobre a SOS Mata Atlântica

A Fundação SOS Mata Atlântica é uma ONG brasileira que atua há 30 anos na proteção dessa que é a floresta mais ameaçada do país. A ONG realiza diversos projetos nas áreas de monitoramento e restauração da Mata Atlântica, proteção do mar e da costa, políticas públicas e melhorias das leis ambientais, educação ambiental, campanhas sobre o meio ambiente, apoio a reservas e unidades de conservação, dentre outros. Todas essas ações contribuem para a qualidade de vida, já que vivem na Mata Atlântica mais de 72% da população brasileira. Os projetos e campanhas da ONG dependem da ajuda de pessoas e empresas para continuar a existir. Saiba como você pode ajudar em www.sosma.org.br.